A chamada Serra
Gaúcha recebeu vários nomes, tendo sido dividida e classificada de várias
formas no decorrer do tempo. Nos primeiros anos de seu povoamento, que teve início
de forma sistemática em 1875, foi conhecida como Colônia Italiana. Tal nome foi consagrado no álbum do
cinqüentenário da imigração, publicado em 1925, com o apoio do governo de
Mussolini. Da Colônia Italiana faziam
parte as colônias imperais de Conde D’Eu, Dona Isabel, Caxias, Alfredo Chaves e
Antônio Prado. As três primeiras, criadas em 1875; a quarta, em 1885 e a quinta,
em 1886. Muito tempo depois de deixarem de ser colônias, e após se terem tornado
municípios ou distritos de outros municípios, entre 1884 e 1898, continuaram a
ser conhecidas como Colônias Italianas.
Com a criação
do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 1945, a antiga
região recebeu novas denominações. Na classificação fisiográfica realizada
naquele ano, foi chamada de Zona da Colônia
Alta. Em 1956, através de nova divisão baseada nas condições
geomorfológicas, recebe o nome de Encosta
Superior do Nordeste. Em 1969, aconteceu um novo ordenamento e a região
passou a ser chamada de Antiga Região
Colonial Italiana, levando em conta os fatores étnicos. Mais tarde, os
critérios adotados foram os econômicos, passando a ser chamada de Microrregião Vinicultura de Caxias do Sul.
Apesar da
mudança de classificações, a região continuou a mesma sob o ponto de vista
geográfico, mas sofreu mudanças em sua economia e na administração, com a
criação de novos municípios e a conseqüente fragmentação territorial. De acordo com o Censo de 2000, a região
possui aproximadamente um milhão de habitantes, sendo composta por cerca de 53
municípios derivados das cinco antigas colônias, polarizada hoje por Caxias do Sul.
Durante seu
povoamento, no período compreendido entre 1875 e 1914, entraram na região cerca
de 100 mil imigrantes provenientes do Norte da Itália: vênetos e lombardos, do Império
Austro-Húngaro, trentinos (ou tiroleses), e ainda alemães, poloneses, suecos,
russos, suíços, franceses e até norte-americanos. Foram vendidos cerca de 10 mil lotes, que
ocupavam cerca de 400 mil hectares da
área das cinco colônias.
Hoje sua população não é composta apenas de
descendentes de imigrantes italianos. Moradores vindos de várias regiões dão
nova vida à região. São descendentes de lusos, dos primitivos habitantes da
região, de açorianos, de africanos, de asiáticos e de muitos latinos americanos provenientes das
províncias do Prata ou dos países andinos.
SOBRE A IDENTIDADE
A identidade
de um determinado grupo é medida pela sua diferença em relação a outros grupos
sociais ou étnicos. Antes da Segunda Guerra, era demarcada pela raça; como
resultado desta hecatombe, passou a ser definida pela etnia, nova forma de
marcar a diferença. Vários são os critérios para definir a identidade e um dos
mais importantes deles é o da cultura, representada pelos saberes e fazeres
regionais e seus valores, crenças, hábitos e costumes.
É possível
traçar a identidade regional, a partir de seus elementos culturais, que a
tornam uma região típica e única. Uma das características culturais desta
região é o tipo humano. Originário dos imigrantes europeus, passou a ser chamado
de colono, que significa morador da antiga região colonial.
Quem é o
colono? O colono hoje é o morador da zona rural, ocupado no setor da
vitivinicultura, ligado à produção da uva e a do vinho. Tal designação, que outrora
constituía um estigma, hoje tornou-se
motivo de orgulho e de satisfação em tempos de abastança turística. Hoje
o colono é um produto regional como o vinho, como as festas de colônia, como a
produção colonial.
Mas nem sempre
o colono foi este produto. Houve tempo no qual os colonos eram apresentados na
historiografia tradicional como trabalhadores, pacíficos, bons e honestos.
Possuidores das qualidades previstas no credo positivista: ordeiros e
progressistas. A historiografia positivista não levava em consideração o seu
modo de ser e de agir. A ação dos colonos foi definida pela sua condição de
estrangeiros numa terra estranha e de língua estranha. Vários incidentes
políticos revelam a outra face do colono. Um destes incidentes, narrado por
Ângelo Ricardo Costamilam, mostra as perseguições políticas sofridas por seu
pai - membro de uma das Ligas Católicas, criadas pelo controvertido padre Pedro
Nosadini - promovidas pelo governo positivista
do Rio Grande do Sul. Tais perseguições teriam levado o comerciante de
Loreto à morte.
Os jornais da
antiga regional colonial italiana dos fins início do século XIX e início do XX
são pródigos em noticiar as lutas e os conflitos ocorridos entre os seguidores
da Igreja e os da Maçonaria nos municípios da antiga região colonial italiana.
Manifestos conflitos e tocaias ocorrem em todos os rincões, de Bento Gonçalves
a São Marcos. Nos pequenos municípios onde existiam maçons e católicos o
radicalismo imperava, repetindo as velhas lutas políticas da península itálica
com a chamada Unificação Italiana, na qual Garibaldi sintetiza o herói maçom e,
o Papa, o mártir católico.
Os colonos
europeus, em sua maioria italianos que povoaram a antiga colônia Caxias, não
apreciavam a política. De Boni, em clássico trabalho sobre a imigração, afirma o
negativismo dos colonos, que preferiam se manifestar contra determinadas
medidas e atitudes do que apresentar propostas. A negação de sua participação política
é explicável, pois, para os colonos estrangeiros a política nacional constituía
um risco. Muitos são os exemplos de casos que resultaram na expulsão do Brasil,
ou mesmo na morte de imigrantes mais afeitos a brigas e movimentos políticos.
Por outro lado,
deve ser considerado o fato de que a maioria dos imigrantes era de camponeses que
viviam na Europa como meeiros ou proprietários de pequenas porções de terra. O
camponês, pela própria natureza de seu trabalho, é conservador, pois está
submetido aos caprichos do tempo. Secas, enchentes, e geadas que afetam a
produção os obrigam a esperar, já que não podem alterar o clima. Tal forma de
se relacionar com a natureza levou Hegel a concluir a cega confiança do
camponês em Deus, considerado responsável pelo crescimento das plantas cujas
sementes ele lançava ao solo. Esta forma passiva personificar o trabalho da
natureza, da germinação dos vegetais às doenças, atribuindo a Deus este papel, não
ocorre com o homem ligado à produção industrial. Este acredita na astúcia de
sua própria razão, isto é, na possibilidade que tem de dirigir não só a
produção como o seu próprio destino.
Entre o colono
e o morador da cidade há muita diferença. O colono é crédulo, ingênuo, e
acredita nos mitos fundadores de sua cultura, na religião, nos valores e nos
costumes. Encara a vida e os outros com desconfiança. Já, o citadino tem outras
manhas e outro modo de agir. Apesar de ser como o colono originário do
campesinato europeu, sabe que é
dele que dependem tanto a sua produção como a sorte de sua empresa. Ele deve prever como será o
produto e em qual mercado pode ser vendido. Deve pensar em fazer contatos com o
poder público - ainda que dele desconfie tanto como o colono. Não pode esperar
por Deus para que sua produção seja vendida.
Cidade e
campo, na região, correspondem a moradores das vilas e da colônia, ou seja, da
zona urbana e rural, cujos trabalhos e ações têm perspectivas diversas. Possuem
posições religiosas e políticas diferentes. Tais diferenças podem ser hoje
verificadas nos resultados das eleições municipais. Nesta região, nos
municípios cuja população urbana é maior do que sua população rural, os
eleitores votam em candidatos e partidos com perfil progressista, enquanto a
população rural prefere os de partido e
perfil conservador.
SOBRE A POLÍTICA
A diferença entre
o homem urbano e o colono ocorre na religião e na política. O homem pobre da
cidade aos poucos vai se voltando para as novas religiões evangélicas e
pentecostais, lotando os novos templos que se instalam em grande número e
abandonando a Igreja de suas raízes culturais. O colono continua com sua crença
tradicional, trabalhando em festas da Igreja sem cobrar por seus serviços, e
destinando o lucro dos eventos para a Paróquia. Aparentemente ainda não há na
zona rural outros cultos e outros templos.
O industrial da cidade usa a política - e em
muitos casos até da religião - para seu benefício, como uma forma de
investimento cujo retorno é sempre garantido. O colono, por outro lado, auxilia
a religião com sua contribuição. Acredita que assim agindo investe em Deus e
que Ele continuará protegendo sua produção. Ambos usam na religião um sistema
de trocas, cuja forma é diversa. Esta diferença não significa que o industrial
seja mais esperto do que o agricultor, mas demonstra que cada um é
profundamente marcado em sua ação pelo
seu modo de fazer e de produzir.
Desde os primeiros tempos da ocupação da
terra, no último quartel do século XIX, outras crenças existiram. Em Caxias, em
28 de janeiro de 1886, foi organizada a Loja Maçônica “Força e Fraternidade”, a
primeira da região. Anos mais tarde, em 1894, em Bento Gonçalves passou a funcionar
a Loja Concórdia. Segundo Colussi, "Grande número de imigrantes fazia
parte desta sociedade; em Caxias havia 103 membros e, em Bento Gonçalves, 69”.
A criação e a existência de lojas
maçônicas nas colônias consideradas redutos exclusivo de católicos revela que a
hegemonia da Igreja tinha seus opositores. A leitura das atas das lojas revela
que muitos dos iniciados eram agricultores, que viviam em seus lotes coloniais.
Muitos destes colonos maçons eram inspetores de travessão, ou seja,
encarregados pela Comissão de Terra de vigiar os outros colonos.
A proclamação
da república não foi recebida com alegria na região. Floriano Molon informa que
diziam seus antepassados que “no dia 15 de novembro o Brasil devia chorar, não
fazer festa”. Grande parte dos colonos
eram monarquistas e lembravam com gratidão D. Pedro II, que tinha pago sua a viagem.
Também o papel
da Igreja, através do clero local, foi importante na condução da política
regional. A tutela política da Igreja se manifesta através da criação das Ligas
Católicas e mais tarde nas ligas eleitorais católicas, que conduzem os votos de
seus fiéis não para Cristo, mas para os candidatos aprovados pelo controle da
Igreja.
Segundo
Costamilan, a política neste período é instável e turbulenta, ocorrendo uma
revolta popular em 25 de julho de 1892, que depõe o Congresso Municipal pela segunda
vez. Oito dias mais tarde, o Conselho é reconduzido ao poder através da força
do governo estadual. As revoltas dos colonos contra o governo estadual ocorrem
pela cobrança excessiva de impostos. Delas participaram mais de trezentos
homens.
As lutas
regionais sempre estiveram vinculadas às questões estaduais. A política
riograndense foi marcada pela luta entre federalistas e republicanos, em 1893,
que deu origem à Revolução Federalista, cujas causas estão inseridas na própria
instabilidade política da recente ordenação republicana. A região não ficou
imune aos combates, estando situada a meio caminho entre os Campos de Cima da Serra e a capital
provincial. Era passagem obrigatória das
duas facções em busca de abastecimento para suas tropas.
Os imigrantes
católicos em sua maioria tinham afinidades com os maragatos. Como o líder do
partido, Silveira Martins, eram conservadores e apreciavam a monarquia. Já, as
elites urbanas regionais eram republicanas. Os colonos guardavam um velho sonho
monarquista, o que os levou a optar pelo Império do Brasil. Os republicanos (ou
periquitos) lutavam pela sua república positivista, enfim conquistada.
A Revolução
acarretou mortes e prejuízos na região povoada por colonos italianos.
Assediados pelos litigantes, passaram por momentos difíceis. Os prejuízos e os
danos materiais sofridos na região são incertos, como também o é o número de
vítimas. Conta Adami que no dia 6 de dezembro de 1893 foram encontrados dois
corpos, amarrados e degolados no fundo de um barranco na estrada que levava a
Nova Trento (hoje Flores da Cunha). Em Alfredo Chaves, lembra Helena Amantea,
houve pelo menos três mortos nas famílias Bacin, Pegoraro e Dalponte. Segundo a
Ordem do Dia N º 56, de 1º de julho de 1894, dada pelo comandante das tropas
legalistas, Capitão Francisco Alves dos Santos, foram vinte os cadáveres
encontrados nas ruas de Caxias, um deles o do capitão Miguel Antônio Dutra
Neto, “apunhalado e massacrado covardemente
pelos miseráveis”. Entre os mortos havia um tenente, um alferes, um
sargento e dois cabos.
As lutas
regionais têm seu lugar assegurado na imprensa. No período compreendido entre
1897 e 1997 na região circularam nada menos do que 193 periódicos. Muitos deles
tinham vínculos políticos partidários. Entre eles havia os que defendiam o
papado contra o Reino da Itália, os que eram maragatos, republicanos,
integralistas, getulistas, e até um fascista e um comunista. Alguns eram de irmandades como a Maçonaria e
outros da Igreja católica.
As questões
políticas ocorridas na região durante as duas guerras mundiais são um capítulo
à parte na história riograndense. O espaço limitado permite apenas contatar que
os moradores da região mais sofreram do que realizaram movimentos durante os
dois conflitos. Na década de 1930 houve
alguns novos enfrentamentos entre as autoridades e a região, em relação á cobrança de
impostos, tendo como palco Antônio Prado.
Os
"pacíficos" colonos também sabiam lutar por seus interesses. Se as
lutas entre os intendentes maçons e os conselheiros católicos da região
poderiam servir como matéria-prima para
novos Guareschi retratarem outros Pepones e Dons Camilos, perdidos nos
vales e montanhas da serra,
marcados pelo fundamentalismo político e religioso, alguns episódios são
tão trágicos que clamam por um Sófocles.
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MOLON,Floriano;
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POZENATO,
Kenia M.Menegotto e GIRON, Loraine Slomp. 100 anos de imprensa regional 1897-1997.
Caxias do Sul: Educs,2004.
Muito bom o artigo e o Blog como um todo!!! Foi uma das consultas base de uma resenha que também escrevi!
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