sábado, 25 de outubro de 2014

DOS ÚLTIMOS

                                                                      



DO ADEUS
No vúi saverghene le lege  nôve!
Me basta quele antighee!mi só tuto[1]
           
O luto marca a viagem dos que deixam sua pátria. Para trás deixaram a terra em que nasceram aonde viveram seus antepassados.Deixam parentes ,amigos e  toda uma  vida já vivida e  renegada pelas circunstâncias. "A terra que possuía dava-lha sustento para três meses ao ano, para sobreviver os italianos pobres deviam procurar trabalho além dos Alpes ou além Oceano.” ( DALL ACQUA ,1983.P.114) Acostumados à busca incessante pela sobrevivência, trocar a Europa, onde não tinham futuro, pela América - terra da esperança - não parecia tão difícil.
Os documentos exigidos para a viagem eram apenas um entre os demais. Acostumados a viagens periódicas para outros países alguns dos imigrantes já conheciam a burocracia ligada aos passaportes.Na grande travessia aqueles que tinham experiência em sair da pátria auxiliavam os outros que não ainda não  tinham deixado sua terra..

 A viagem para eles foi a cerimônia do adeus O medo do desconhecido embarca com os imigrantes Com eles trazem o passaporte. Atestado de  sua condição de exilados. O exílio ainda que voluntário não é fácil. Passaporte, exílio e luto-pela perda da antiga vida e dos antigos laços-marcam os imigrantes até o fim de seus dias.

Os passaportes esquecidos nos arquivos podem ser prova de incúria administrativa ou de um esforço para esquecer. Como os navios queimados de Cortês, os passaportes esquecidos marcam  a impossibilidade da volta .

Na bagagem trouxeram alguns livros de rezas e de orações.. Alguns manuais religiosos e guias práticos (Bertarelli1890)Eram as mulheres e os padres os responsáveis pela cultura e pela vinda de livros. eles trouxeram.





DO ESQUECIMENTO
           
Nol piánze sol parquel che'l gá assá drio
,pianze perchê el gavêa lu el futuro[2]

O esquecimento para os imigrantes foi uma conquista. A conquista de um novo espaço, de uma nova condição social. Da condição de servos,empregados ,meeiros passam para a condição de proprietários.Em relação ao  valor pela escassez da terra na Europa passam a ser grandes proprietários .Muitos desejam esquecer a fome e a miséria e os seres queridos deixados no além oceano.O esquecimento passa pela queima dos antigos documentos, como uma faxina  da memória.
Na terra natal havia o poder da nobreza e do Estado, os quais temiam por entendê-los, na nova terra continuam temendo ainda mais por não os entender. Os documentos dos imigrantes ,esquecidos em órgãos públicos- e que hoje jazem aos milhares  em arquivos públicos- testemunham  a sua  rejeição pelos colonos
Poucos falam da antiga terra. Esquecer significa calar. O amor da pátria natal é transferido para a terra, não a nova pátria, mas ao lote do qual são proprietários.
Sem vínculos com os papéis que lembram sua antiga condição os colonos queimam o que podem do passado. Tal queima inviabilizou a dupla cidadania de muitos "oriundi".
Por desconhecimento ou por querer esquecer os registros do passado, alguns colonos deixam de registrar seus filhos, e até de registrar as mortes. Alguns  deixam para   registrar  os filhos quando três ou quatro já haviam nascido. Alguns registram as filhas com nomes masculinos, outros repetem os nomes para filhos diferentes. Ao que tudo indica há relação entre o processo de esquecimento o não registro dos filhos e dos óbitos.

DO LEMBRAR



E quá son paron mi! misó tuto![3]

Lembrada é a escritura da terra. Lembrada é a nova condição de proprietários. Os documentos da terra são sempre guardados, em pastas, em baús, em caixas e, significativamente, em malas.
Alguns exorcizam o passado como com cartas jactanciosas procuram trazer o que sobrou da a família para a nova terra. como no caso de Paolo Rossato que mandou buscar a família inteira [4]·. Outros  escrevem suas memórias. Muitas das memórias escritas também foram destruídas pelos filhos. Outras foram preservadas como as de  Dal Acqua .[5]
Alguns escondem a verdade da situação para não preocupar os pais, poucos lastimam a mudança para o Brasil, sinal evidente que a condição de senhores parecia compensar as outras perdas.



DA PRESERVAÇÃO

L'ómo,vanti de tut ,ghe ocor che impare
A far qualcosa, ancora tosetin!
Pi tardi,se 'l ga testa bona-scola![6]
              
Não é por acaso que foram os padres católicos a pensar na preservação dos documentos e no registro da história da imigração. Várias congregações religiosas acompanharam o movimento da população pobre da Itália em direção ao Brasil. Capuchinhos, Scalabrinianos acompanharam a dura instalação dos colonos nas colônias brasileiras. Deixaram muitos registros. registrado. Foram os capuchinhos os responsáveis pelo registro da história dos colonos, entre eles o mais produtivo Frei Rovílio Costa.(cuja obra vem citada em anexo)
Se os primeiros imigrantes tinham alguma instrução, a maioria da geração seguinte teve pouco ou nenhum acesso ao estudo. Desenvolveu-se entre os colonos certo desprezo pelo estudo e pelo conhecimento. O conhecimento prático era mais importante que o dos livros. Saber trabalhar valia mais do que estudar.
Foi a partir do centenário da imigração que a preservação das fontes e documentos começou a ser pensada. Na gênese do interesse foi importante a criação do curso de História ,em 1960, e a da Universidade de Caxias do Sul, em 1967.
Antes de 1975 apenas poucos historiadores se interessavam pela imigração italiana, merecendo destaque a obra de João Spadari Adami. [7]Em 1975 realiza-se um concurso de obras sobre a italiana no Rio Grande do Sul, os primeiros estudos são elaborados e publicados··.
No mesmo ano de 1975 foi organizado o Museu Municipal e o Arquivo Histórico de Caxias do Sul . Na década de oitenta foram criados os arquivos históricos de Bento Gonçalves, Garibaldi ,Antônio Prado e na década de noventa o de Veranópolis.
Nos arquivos municipais se encontra muita da documentação sobre a história regional e a maioria da documentação da história municipal.[8]
A partir da década de oitenta muitas teses e dissertações de professores da Universidade de Caxias do Sul, se ocuparam da imigração italiana no RS.[9]




DA BUSCA
Massa vinde instrussion el zê un perícolo!
E bever sol com sê ,com  vocassiôn![10]

 Na década de quarenta, o sucesso econômico de alguns imigrantes passa a chamar a atenção dos historiadores, um dos primeiros que teve sua história registrada foi o industrial Abramo Eberle , fundador da Metalúrgica Eberle. (FRANCO,1942.)

A partir de década de oitenta muitos trabalhos de pesquisa são realizados sobre as história dos municípios surgidos na zona de colonização italiana, histórias de comunidades e histórias de famílias[11]. As histórias de família que tentam juntar os pedaços perdidos da árvores do passado. Tem duplo objetivo : a dupla cidadania e a busca das raízes . Há também um componente de ufanismo, em tal busca, como se no caminho dos sem terra italianos estivessem enterrado seus brasões.
Tais obras são repositórios históricos: de fontes ,de mitos e da ideologia regionais. Mereceriam alguns estudos.


DO DEVIR
Quá el dover lé laorar!
na tassa sôra chi no laora mia?[12]

            A cultura dos imigrantes italianos tem sido estudada pelo Projeto Elementos Cultural da Antiga Região Colonial Italiana do RS (ECIRS) que recolheu os indícios da cultura dos italianos e de seus descendentes, sob o ponto de vista antropológico, e que possui vasto acervo da pesquisa realizada.
Merecem destaque os trabalhos de dialetologia realizados por Vitalina Maria Frosi tendo como foco a antiga região colonial, cujo acervo se encontra no Centro de Documentação da UCS (CDOC).
As publicações do Arquivo Histórico João Spadari Adami de Caxias do Sul, que tem algumas publicações tradicionais como os boletins Memória e Origens. O Arquivo possui vasta  coleção de fotos e alguns vídeos sobre o tema imigração italiana no RS
Há ainda a considerar a literatura regional sobre a imigração - fonte inestimável sobre a cultura regional, com várias obras publicadas, entre as quais pontifica a obra O Quatrilho de José Clemente Pozenato.




ALGUMAS REFERÊNCIAS


BATTISTEL, Arlindo Itacir e COSTA, Rovílio. Assim vivem os italianos. A vida, italiana em fotografia. Porto Alegre: EST/EDUCS, 1983.
BATTISTEL, Arlindo Itacir e COSTA, Rovílio. Assim vivem os italianos.Vida, História, cantos, comidas e estórias. Porto Alegre: EST/EDUCS, 1982.
BATTISTEL, Arlindo Itacir e COSTA, Rovílio. Assim vivem os italianos.Vida, História, cantos, comidas e estórias. Porto Alegre: EST/EDUCS, 1982.
BATTISTEL, Arlindo Itacir e COSTA, Rovílio. Assim vivem os italianos. A vida, italiana em fotografia. Porto Alegre: EST/EDUCS, 1983.
COSTA, Rovílio Organizador. Raízes de Veranópolis.. Porto Alegre: EST, 1998p. 493
COSTA, Rovílio. Imigração Italiana, minha paixão de cada dia. IN: 120 de Imigração Italiana. Caxias do Sul: CHRONOS, v.29, n.1. jan/jul/1996.p.107.
COSTA, Rovílio. Antropologia visual  da imigração italiana. Porto Alegre: EST/EDUCS, 1976. p. 11
COSTA, Rovílio. Antropologia visual  da imigração italiana. Porto Alegre: EST/EDUCS, 1976.p. 196.
COSTA, Rovílio. Imigração Italiana no Rio Grande do Sul: vida costumes e tradições-Porto Alegre: EST Sulina, 1975.
COSTA, Rovílio. Valores da Imigração italiana: cem anos depois. In: Imigração Italiana: Estudos. INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS ITALO BRASILEIROS.  Caxias do Sul: UCS/EST, 1977.  p.207
DE BONI, Luís Alberto. A Bibliografia sobre imigração italiana no ano de seu Centenário. In: Imigração Italiana: Estudos. INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS ITALO BRASILEIROS.  Caxias do Sul: UCS/EST, 1977.p.143.
DE BONI, Luís Alberto e COSTA, Rovílio. Os italianos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EST/EDUCS, 1979.
DE BONI, Luís Alberto. A Bibliografia sobre imigração italiana no ano de seu Centenário. In: Imigração Italiana: Estudos. INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS ITALO BRASILEIROS.  Caxias do Sul: UCS/EST, 1977.p.143.
DE BONI, Luís Alberto. e COSTA, Rovílio .Os capuchinhos do Rio Grande do Sul publicado pela EST EDIÇÕES/CORREIO RIOGRANDENSE,1996.
GARDELIN, Mário e COSTA, Rovílio. Colônia Caxias:origens.Porto Alegre:EST ,1993





[1] A lei nova não quer conhecer!E bastam-me as antigas!  Eu sei tudo! In: BALEN ,Ítalo.Os pesos e as medidas.Porto Alegre/Caxias do Sul :EST/EDUCS,1981

[2] Não chora só por tudo o que passou,chora pelo futuro que ele tinha. In: BALEN ,Italo.Os pesos e as medidas.Porto Alegre/Caxias do Sul :EST/EDUCS,1981


[3] Eu sou o patrão aqui! Eu mando! Eu! In: BALEN ,Ítalo.Os pesos e as medidas.Porto Alegre/Caxias do Sul :EST/EDUCS,1981

[4] Parte de suas cartas foram publicadas em DEBONI,L.ª  Mérica.Caxias do Sul:EDUCS,1985.
[5] Memórias de José Dall Acqua .IN:Costa Rovílio e Batistel Arlindo.Assim vivem os italianos .Religião ,música,trabalho e lazer.Porto Alegre:EST/ F. G. Agnelli,1983.p.114 e seguintes.
[6] O homem deve saber antes de tudo
trabalhar,no que for,desde pequeno!
Só depõe aptidão tivê-la escola! In: BALEN ,Ítalo.Os pesos e as medidas.Porto Alegre/Caxias do Sul :EST/EDUCS,1981


[7] ADAMI João Spadari. História de Caxias do Sul Caxias do Sul , Editora São Miguel,1972
[8] Mais informações podem ser encontradas no trabalho de:COSTA,Rovílio.Fonti per lo studio dell'emigrazione italiana in Brasile. IN:ALTREITALIE. Torino: Fondazione Giovanni Agenlli N° 1,  Ano 1 .Abril 1989
[9] Entre outros os trabalhos de :LAZZAROTTO, Valentim. Pobres Construtores de Riqueza. Caxias do Sul: EDUCS, 1981. GIRON, Loraine Slomp.  As Sombras do Littorio: o fascismo no Rio Grande do Sul.  Porto Alegre: Parlenda, 1994 IOTTI, Luiza Horn. O Olhar do Poder. Caxias do Sul:EDUCS,1998.

[10] O vinho do saber é perigoso! Tomá-lo só com sede e vocação. In: BALEN ,Ítalo.Os pesos e as medidas.Porto Alegre/Caxias do Sul :EST/EDUCS,1981


[11] Entre outros :ZARDO,Maria de Fátima .Do outro lado do rio.Família Dall'Onder -Memórias Bento Gonçalves:Arte e Texto, 1997.D ALL'ALBA.Pe. João Leonir .Os Dall'Aba-cem anos de BrasilPorto Alegre/Caxias do Sul:EST/EDUCS,1984.BRESOLIN,Luciano. Imigração italiana:Os Bresolin.Passo Fundo: Pe.Berthier,1994  .
[12] Trabalhar é o dever!Porque não criam Imposto para os que não fazem nada? In: BALEN ,Italo.Os pesos e as medidas.Porto Alegre/Caxias do Sul :EST/EDUCS,1981




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