História Daqui
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quarta-feira, 9 de maio de 2018
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
DE COMO ESCREVER HISTORIA POSITIVA
“Salvar o passado e mudar tudo aquilo que era em tudo
aquilo que deveria ser, somente isto para mim seria uma redenção”
Nietzsche
NORMA E FORMA
Para escrever a história há algumas normas
gerais que devem ser obedecidas, o conhecimento sobre elas é essencial para aqueles
que desejam escrever obras perenes e definitivas.
A norma de como deve ser escrita a história
positiva está presente em Os Sertões. Escrita a mais de 100 anos é
até hoje considerada exemplar tanto na literatura como na história. A forma
mais do que o conteúdo encanta a quem se aventura a ler e alentada obra, mas é
o seu conteúdo que agride e espanta os leitores.
Mereceria um
estudo detalhado –quiçá psicológico- o estranho paralelismo existente as vidas
do autor e do personagem. Cunha e Maciel, sofrem de um mal comum, ambos são
vítimas ou causadores do adultério, que literalmente os marcou e que acabou
destruindo suas vítimas suas vidas.
Dados os
limites desta reflexão apenas três aspectos serão destacados na obra: o
conceito de região, as bases teóricas metodológicas e ideológicas e as fontes
usadas pelo autor.
REGIÃO DA BARBÁRIE
Nem só com preconceitos é
escrita a história positiva. Poucos historiadores tem a clareza de Cunha sobre
a importância da história, para a preservação da memória da sociedade, aponta
fatos que foram esquecidos por não terem um historiador. Desta forma assume a
condição de historiador, pois, não quer que Canudos seja esquecida, como guerra
emblemática da civilização contra a barbárie, para tanto estabelece para sua obra
um plano irretocável.
Em primeiro lugar monta o cenário do drama: o sertão. Como na época existiam
poucos trabalhos sobre tal tema, lança-se á tarefa hercúlea de descreve-lo.
A descrição do sertão parte das variáveis então utilizadas pelo
determinismo geográfico, em moda naquele início de século. Não se trata (nem
poderia tratar) do espaço geográfico, mas do meio. Assim denomina a paisagem
que descreve minuciosa e precisamente e assim denomina também a primeira parte
da obra. Usa as modernas variáveis da geomorfologia:
o clima, a vegetação, o relevo, avançando sobre suas conseqüências para o nativo
As duras condições geográficas fazem de seu morador um sobrevivente.
O meio por outro lado, aparece como fruto da diferença entre a dureza
do sertão e a amenidade do litoral. O sertão é a antítese do litoral, e, ao
mesmo tempo, tese e síntese da diferença. O litoral onde existe a civilização e
onde está o poder. O sertão com suas plantas retorcidas e ressequidas pelas
secas milenares tem como contrapartida o ressequido sertanejo, morador
histórico das paragens e como as cactáceas, é um esquálido produto do meio. O
sertão é a local da barbárie.
A pena de Euclides se aproxima do sertão,- cena da luta- a partir do litoral ou seja de
fora para dentro como se portasse uma câmara, que circula pela cena de Belo Monte
(nome dado a povoação pelos seus moradores, e que ele chama de Canudos De uma
tomada alto do Monte Santo vislumbra o espaço do conflito, o lugar onde vivem
os bárbaros.
A descrição que resulta desta visão do alto da montanha é fotográfica.
È necessário lembrar a força que a imagem da montanha tinha no final do século
XIX e início do século XX. Basta citar Zaratustra e a Montanha Mágica de Thomas
Mann. Montanha que significava a superioridade, o distanciamento e a
possibilidade de amplitude da visualização. Do alto da maior montanha da região
Cunha descreve-a passo a passo, resultando em leitura político geográfica,
debruçando-se sobre os bosquejos cartográficos, que elaborou e que são
reproduzidos no livro. Desta forma através da leitura precisa do mapa cria o
cenário para o drama.
A região é deduzida passo a passo,
a partir das variáveis propostas, o resultado é impactante, a dureza do meio
permite que seja explicado o nascimento da sub-raça sertaneja. Não há indução
em momento algum, apenas a dedução através da ótica da segurança da doutrina
positiva.
Com a crueza de uma a
filmadora precisa a medonha paisagem. Mas
a lente lê apenas o que vê o autor, não anda sozinha rodando o mundo. Focada
nos aspectos escolhidos registra apenas
os pontos de vista do autor, sob a qual é posto.
Da mesma forma que o homem, a
região é deduzida do determinismo geográfico, que o autor conhece e no qual
acredita. O meio como o homem são entidades em construção, nos primeiros
estágios da criação humana e geográfica. Ambos- meio e homem- e se encontram na
mais baixa escala da evolução geológica e social. São as diferenças entre o litoral
e o sertão que marcam o tom. De certa forma o autor vindo do litoral consegue traçar
a dureza dos caminhos e da viagem e o desencanto da chegada. Felizmente, filtro
literário se sobrepõe à precisão da ciência, o que faz de Os Sertões, uma obra única. O sertão que molda o homem
condena-o a extinção
.
CIÊNCIA E IDEOLOGIA
O que causa impacto imediato em Os
Sertões é a paixão com que foi escrito. Amor e ódio estão sempre presentes.
O desprezo contra os sertanejos e o amor pela ordem e pela legalidade está em todas
as páginas. O autor ama o vencedor da luta e sente repugnância pelos vencidos,
ao mesmo tempo que sente por eles uma imensa e insondável compaixão.
. Encontra argumentos fortes para justificar o governo e procura
argumentos ainda mais fortes para caracterizar os conselheiristas. A
repugnância pelos vencidos e a crença na justeza da guerra baseiam-se no seu convencimento
pessoal. Sua convicção dá força à prova. Sua pena liquida sem piedade os
rebeldes e a rebelião.
A utilização- com precisão- dos
símbolos e metáforas oferece ao leitor
imagens de força e coerência. Inesquecível é a comparação do arraial com
uma medonha Tróia de taipa. A imagens
pejorativas e grandiosas se alternam ora Canudos é a Vendéia do sertão, ora é a
Goblentz de trapeiros. Conselheiro é o mais acabado tipo de paranoico, só comparável
a Bandara ou a Miguelzinho.
Bandarra
que é utilizado como paradigma de loucura foi trovador e místico português. Seu
nome era João Annes, sapateiro de profissão teria nascido em Trancoso (Beira) e
preso em 18 de setembro de 1541, abjura de suas crenças fazendo auto de fé,
sendo libertado. Vários de seus vaticínios referiam-se à volta de Dom
Sebastião, que havia sumido em Ceuta. [1]Eis
um exemplo
Augurai,
gentes vindouras,
Que
o Rei que daqui há de ir,
Vos
há de tornar a vir
As profecias de Bandarra
são atribuídas as crenças messiânicas, já que segundo constava era ligado aos
cristãos novos da Beira, que, apesar de batizados como católicos, ainda
esperavam o Messias que os viesse salvar. Bandarra teve suas trovas publicadas
em 1602, sendo tão popular em Portugal e suas colônias como o vidente francês
Nostradamus.
Para Cunha é considerado um
líder tão doente como Antônio Conselheiro, e, como ele, sem causa. Acontece que
Bandarra não é líder de movimento de revolta mas apenas de agregação popular.
Estudos mais recentes indicam que nem Antônio Conselheiro era inculto e
paranóico como afirma a obra. Desta foram até as imagens inexoráveis e dantescas de Canudos, são como Os Sertões leituras distorcidas da
realidade.
A obra está fundada no conhecimento científico do final do século XIX,
período marcado pelas teorias
positivista e determinista. O arcabouço da explicação repousa nos pressupostos
da evolução.
Há uma predeterminação do meio sobre
os homens. Sertão e litoral determinam os homens que os habitam. O litoral é o
lócus do saber moderno, o sertão o do
anacronismo. Os detentores do saber precisam
superar os detentores da ignorância. Há leis gerais que regem tal
vitória.
O sertanejo mais do que forte é um ser destinado a destruição. O
mestiço não tem lugar no mundo civilizado. O processo de civilização é o da
vitória da raça superior sobre as raças inferiores.
Desta maneira
as formas de explicar a realidade dependem dos meios que se dispõe para tal
intento Não são só os conceitos que mudam, mudam também os instrumentos e os
modelos de explicação. A ciência como o homem é produto de determinado espaço temporal,
Muitas vezes os conceitos – e os modelos de explicação- mudam pelo
aperfeiçoamento dos meios que se dispõe para ler a realidade. Caso paradigmático é o da biologia, que mudou
seu foco, com a descoberta dos meios atuais disponíveis para leitura do mapa
genético do homem.
CIÊNCIA E PODER
O racismo
europeu dá a base teórica, que serve de suporte, e pano de fundo, para a
descrição do meio e do homem, dá segurança à narrativa, na qual as palavras
nunca são jogadas a esmo. Dele partem as raízes da mestiçagem produtos da história, e
que é o sertão que permite e faz
florescer a mestiçagem, base da barbárie.
Não mudou o homem,
enquanto espécie, mas apenas os meios de explicar suas semelhanças. A biologia atual se vale das semelhanças
existente entre os homens, contidas em seu genes. A carga genética humana
descoberta une as raças numa similaridade impensável no final do século XIX.
Então se pensava apenas em suas diferenças. As diferenças físicas determinavam
as culturais, éticas e morais.
Hoje a biologia acredita nos genes ou, ou
seja no conteúdo interno do homem, para definir as igualdades e semelhanças. Antes os cientistas acreditavam – em sua
maioria- nas diferenças de forma A leitura da diferença é a utilizada por
Euclides da Cunha. A civilização vence à barbárie. “È que neste caso a raça
forte não destroi a fraca pelas armas, esmaga-a pela civilização.”[3]
Para os positivistas, a força que move o
processo histórico é o saber científico. A ciência positiva nega a fé, como
fruto de tampos superados. Para eles o misticismo é tão retrógrado quanto a metafísica. Na física dos novos
tempos a ciência explica o mundo, a história e o homem.
A raça branca
criou a ciência, e o saber é o poder maior do novo tempo. O saber é domínio da
raça superior. Neste modo de ver o mundo de crentes e mestiços são
excrescências no mundo moderno. O progresso é a negação da religião. O processo
da civilização é o da vitória dos sábios sobre os ignorantes, da ciência sobre a
religião. O saber da ciência é o grande poder.
A repugnância que Euclides da Cunha sente
pelos sertanejos é a do homem sábio contra os atraso daqueles que fazem da crença religiosa o modo de ler o mundo, a fé,
para este tipo de cientista , é uma forma de doença
Porque essas
psicoses epidêmicas despontam em todos os tempos e em todos os lugares como
anacronismo palmares, contrastes inevitáveis na evolução desigual dos povos ,
patentes sobretudo, quando um largo movimento civilizador impele vigorosamente
as camadas superiores. [4]
A utilização
dos símbolos com precisão e felicidade traz ao leitor de Os sertões imagens de força
e coerência. Inesquecíveis as metáforas do arraial As imagens pejorativas e
grandiosas se alternam ora Canudos ora é comparada a uma medonha Tróia de taipa, ora a uma Vendéia do sertão ou a uma
Goblentz de trapeiros.
Da mesma forma o Conselheiro é o mais
acabado tipo de paranóico, comparável a
Bandarra ou a Miguelzinho. Sua doença resulta do atraso cultural, que afeta
todo um grupo Líderes, como ele doentes e sem causa., que padecem do mal sem remédio da inferiorize
racial e cultural. As imagens inesquecíveis de Canudos são como Os Sertões leituras distorcidas da realidade.
A ciência como saber do homem é
marcada pelo tempo. O homem inventa explicações teóricas e passa acreditar
nelas. Como observa Braudel:
Desgraçadamente,
o vocabulário dos cientistas do homem s
não se presta para as definições peremptórias. Ainda que na maioria dos
conceitos nem tudo é indeterminado,
dependem de um contínuo devir, estes conceitos estão longe se serem fixados de
uma vez para sempre ,variam de um autor para outro de estão evoluindo diante de
nossos olhos .(...) O que eqüivale dizer que no campo das ciências do homem
(como no da filosofia), as palavras mais
simples variam freqüente e forçosamente de sentido segundo o pensamento que lha
dá vida e a que as utiliza.[5]
TESTEMUNHA OCULAR
Como militar
Euclides da Cunha foi um jornalista
bissexto, quando pelos percalços de sua
carreira se afastava da corporação
aproximava-se da imprensa ,como forma de subsistência. Foi num destes períodos
que se tornou correspondente de guerra do
Estadão.
Euclides da
Cunha chega a Canudos como enviado pelo jornal O Estado de São Paulo, no final da guerra, ao que tudo indica, no
final de setembro. Visita assim o cenário da guerra que estava acabando,
conhece os conselheiristas sobreviventes
e realiza algumas reportagens sobre o conflito. As últimas trinta e uma
páginas da obra resultam da vivência direta do autor, bem como a descrição do
meio e do homem.
A sua presença na agonia do movimento faz
com se torne testemunha ocular da hecatombe. O resultado são preciosas páginas
de história, cheias de força e revolta.
Euclides da Cunha, como alguns autores que
ele consulta fazem parte de um grupo seleto de intelectuais que importam
modelos externos de explicação. Adota as posições da ciência européia positiva
e racista, que acredita na inferioridade do Brasil e dos brasileiros em relação
a Europa e aos europeus.
A mescla das três
raças tristes que marca o destino do sertanejo: índios , negros e portugueses(
e quiçá algum gene batavo) criam o
feitio grotesco do povo do sertão.
Como nas somas algébricas as qualidades dos elementos que se justapõem,
não se acrescentam, subtraem-se ou destroem-se segundos os caracteres positivos
ou negativos em presença. E o mestiço – mulato, mameluco ou cafuz-, menos que
um internediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens,
sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores.[6]
Desta forma a
mestiçagem não é um produto de uma soma algébrica, mas um desastre biológico
feito de mesclas e de incertezas, Resultado adverso de uma quebra milenar de
origem. Nem brancos superiores, nem negros inferiores, os mestiços são apenas
mulas híbridas e improdutivas, este é o sertanejo euclidiano, marcado para
morrer.
Tal povo da
raça inferior, segundo sua expressão vigorosa, só poderia perder a luta para a
raça superior, ainda não conspurcada pela mestiçagem.
Ao
escrever a história do massacre de brasileiros por brasileiros porta-se como europeu
culto e alheio ao meio em que vive. De certa forma nega os princípios
deterministas do meio e da raça, como se ele, -
e só ele- fosse imune aos
princípios científicos que defende.
VERDADE
INCONTESTE
Como homem de seu tempo Euclides da Cunha não
indica as suas fontes. Consulta autores, os mais abalizados de seu tempo para
justificar suas afirmações. De Hegel à Humbold desfilam os sábios de seu
século, destilando seu saber a partir de suas não citações. Fornecem ao autor o arcabouço da explicação.
O homem e o meio brotam deste arcabouço teórico, preenchido pela beleza
arrepiante do texto. Se o meio e o homem se valem de teorias positivas, onde a
diferença entre a cultura e a civilização é a norma. A história brota da
leitura oficial do episódio. Talvez aí reside a diferença entre as duas
primeiras partes e a terceira.
As fontes
utilizadas por Cunha são as oficiais, aquelas que fazem parte da hierarquia
militar. Como guardiões da república, como haviam sido antes do império, os
oficiais de carreira só relatam fatos oficiais, que sejam adequados ao poder ao
qual servem. São como ordens do dia, mais do que testemunhos.
São em número
de trinta e seis as fontes indicadas de forma incompleta por Euclides da
Cunha. Destas oito são testemunhos de
militares, que participaram da guerra de forma direta ou indireta. São
militares de alta patente de general a coronel. Não há depoimentos de soldados
rasos.
As provas
apresentadas na obra são as produzidas
pelas autoridades militares, que são parte do conflito. Como um processo
imperfeito não há o contraditório, pois só uma das partes é ouvida. Os
seguidores do Conselheiro e a do povo que o venerava não são consultados. A
verdade de um lado só revela toda a desigualdade do julgamento. As testemunhas leais a causa que defendem, são
os juízes da causa vencida.
O outro lado
da moeda inexiste. A moeda tem uma só face. A contradição ou o contraditório
como preferem os rábulas não está presente. Os relatórios oficiais, as ordens
do dia, os ofícios das autoridades policiais, servem de ponto de partida para a
descrição e de baliza para o julgamento do
autor.
A história de
uma só mão foi composta pela consulta de dez fontes documentais, que são
citadas na obra. Defensor dos vencedores não consulta os historiadores da época,
vale-se de periódicos. Cita apenas cinco jornais, sem indicações sobre datas e números consultados. Sabe-se que O Estado de São Paulo, A Gazeta de Notícias, O País e o Jornal do Brasil e a Nacion de
Buenos Aires, serviram-lhe de fonte. São desconhecidos os motivos pelos quais
que não foi citado O
Jornal do Comércio, único que cobriu
o evento com enviado especial , que permaneceu e, Canudos durante o
decorrer da guerra . Se outras foram
consultadas não foram citadas.
São
utilizadas ainda fontes bibliográficas.
Entre elas estão alguns tomos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
do número 10 e seguintes: Memórias de
Manuel Ximenez; Os crimes célebres do Ceará, do Coronel João Brígido; História
do Brasil, de João Ribeiro entre outras. São autores pertencentes á mesma
escola do autor. Mas a grande fonte foi
sua presença no cenário da luta,
Como um novo Tucídides ele é testemunha
do fato.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é
possível ignorar o fato que se Canudos é
o mais lembrado dos movimentos ante republicanos – sejam monarquistas,
sebastianistas, milenaristas ou messiânicos - muito se deve a Euclides da Cunha. Condenado pela revisão
historiográfica contemporânea Os Sertões
continua sendo uma obra de referência
obrigatória no estudo da história brasileira, cruzando as fronteiras da
história avançou para condição de obra prima literária. A obra criou explicações e personagens.
Tão importante foi a obra, que Canudos
tornou-se a temática de Os sertões,
como se o episódio sangrento da história brasileira fosse apenas uma cena da
obra. A obra e a fato de certa forma se confundem. Tudo se passa como se figura de Antônio Conselheiro fosse apenas o
tresloucado personagem de Euclides da Cunha.
A obra marcou tanto o evento que o massacre
dos seguidores de Antônio Maciel parece ser uma questão de justiça
civilizatória, e até hoje seus seguidores são chamados de fanáticos e jagunços, termos esculpidos
pelo autor.
Cunha justifica o
processo de extermínio, dando forças ao Estado que joga sua força militar
contra os miseráveis. Mais do que isto criou heróis oficiais e bandidos
oficialescos, criou ainda uma mitologia de superioridade racial, que se
eterniza na cultura brasileira. A da
civilização que mata a cultura.
Criou um
história que fez escola: onde a evolução e a cultura superior da raça branca matam , e , necessariamente devem matar
a cultura inferior da raça mestiça. Ao mesmo tempo em que criou uma obra
prima literária marcada por tal crueldade que lembram a de Nietzsche ao afirmar
que “por um propósito dionisíaco, a
solidez do martelo , a alegria própria da destruição, são premissas
absolutamente necessárias.”.[7] Para fazer surgir a estátua
é necessário romper o mármore, este parece ser o papel de Euclides da Cunha. A
estátua do Conselheiro nasce da sua morte em Canudos, Os sertões é a sua memorabilia.
.
[1] HERMANN, Jacqueline. No reino do Desejado. A
consturção do sebastianismo em Protugal séculos XVI eXVII. São Paulo : Comanhia
das Letras1998, p.44
[2] CRUZ,
José Marques da .Profecias de Nostradamus.
São Paulo: Menphis, s/data .p.136.
[3] CUNHA
,Euclides da. Os sertões. São Paulo:
Abril Cultural ,2003.p. 75
[4] CUNHA
,Euclides da. Os sertões. São Paulo:
Abril Cultural ,2003.p. 75
[5]
BRAUDEL,Fernand. Las Civilizaciones actuales.Madrid: tecnos, 1969.p.12.
[6] CUNHA,
Euclides da. Os sertões. São Paulo:
Abril Cultural ,2003.p. 75
[7]
NIETZSCHE, F. Ecce Homo Tradução de
Lourival de Queiroz Henkel. Rio de Janeiro,Tecnoprint, s/d.p. 184
segunda-feira, 18 de setembro de 2017
A VOZ DE ROVILIO COSTA (EXCERTOS)
Fazer história,
pois, é voltar às origens,
Não de fatos
isolados, as vezes arbitrários,
Mas, os origens da forma da vida de um povo
R. Costa
Tenho certeza que todos devem falar e escrever sobre as
inúmeras qualidades de Rovilio Costa. Se bem conheci o homenageado, por certo
ele ficaria constrangido. Pois as homenagens pareciam ter este efeito sobre
ele, ao menos sobre o Rovilio que eu conheci. Já escrevi sobre ele e sua obra,
agora meu objetivo é deixa-lo falar.
O Rovilio que eu conheci tinha o modo de ser dos colonos.
Não dos imigrantes italianos nada disto, mas daqueles nascidos na colônia. Os
seus descendentes, aqueles mesmos que ainda vivem nos seus lotes rurais de modo
semelhante desde chegada dos seus antepassados ao Brasil. Aqueles, os
imigrantes eram homens sérios e tristes. Estes, seus descendentes são alegres e
maliciosos. Homens ligados à terra que sabem a importância que ela tem para
alimentar os homens das cidades. Chamado por eles homens importantes. Importante,
para eles, é aquele ser urbano que se importa com a aparência, que se preocupa
consigo mesmo, que se acha. Quando dizem que alguém é importante, isso
significa que ele é o outro, que não faz parte de seu grupo.
Eles não se consideram importantes ao contrário,
acreditam na força do trabalho que fazem, trabalho que os torna iguais aos outros colonos. Eles são simples,
tremendamente diferentes dos homens das cidades.O parentesco por outro lado é
essencial, ser parente significa uma espécie de crédito genético.
O que significa ser colono? Em primeiro lugar è um ser em
extinção, significa ter as mãos grossas de tanto lidar na terra, com a certeza
que o trabalho se não enriquece, mas que pelo menos permite comer bem e ter uma vida digna. Significa também desconfiar de tudo e de
todos. Significa acima de tudo pertencer a terra e a um lugar e a um grupo, que
tem costumes e hábitos próprios, que os torna muito diferentes dos homens
urbanos. O outro o de fora é aquele que não sabe lidar com a terra, que tem
outros valores e costumes. Que desconhecem com quem estão lidando, que deles
difere em tudo. O outro nunca será um deles. Sempre será bem vindo de bem
tratado, sempre será uma visita, mas não parte do grupo, pois seu mundo é
outro. O mundo dos que cultivam e amam a terra tem peculiaridades que os que
não o fazem não os podem entender.
O colono é curioso, acredita que saber da vida alheia é
uma constante. Rir de si mesmo e de suas próprias pretensões é seu modo de ser,
e dos que se acham importantes. Especialmente para os que deixaram a colônia,
tal curiosidade de é uma obrigação. O colono da região colonial italiana é
diferente dos outros agricultores brasileiros, e ainda mais diferente dos
agricultores italianos. Seu mundo é novo, criado pela exclusão, pelas
dificuldades, pela carência, pela saudade e pelo luto do que foi perdido pelos
seus maiores, sentimento que herdou.
Entre
os seus, no calor dos jogos ou do trabalho, o colono se transforma, ele é
outro. Alegre e irônico, de uma ironia infantil. O outro aquele que não vive da terra, não
consegue ver seu lado feliz, após um bom almoço acompanhado de um vinho, onde
ele se revela. Então as anedotas e as músicas fesceninas os alegram. Herança
ancestral cuja origem eles desconhecem, mas que os marca. A licenciosidade que
parece ter saindo dos etruscos, famosos por tal traço. A presença da licenciosidade é tão forte quanto a da
religião.
A
religião do colono, no nome é a Católica Apostólica Romana, na prática ele fez
da religião e da capela seu centro social, como outros centros que vieram mais tarde: sociedades
esportivas e recreativas.O primeiro foi sem dúvida a capela, anterior à
paróquia. O salão da capela é o lugar para o jogo, para a bebida e para as
fofocas, numerosas e picantes. Como eram poucas as missas rezadas a capela servia para mais para a reza das
ladainhas e dos rosários.Em geral frequentada apenas pelas mulheres e pelas
crianças.Os homens preferiam a bodega, nome apropriado para as parcas condições
do seu local de lazer. A missa dominical era realizada na igreja mais próxima,
na capela eram realizadas apenas nas festas do padroeiro.
A
capela onde Rovilio nasceu era a de São Francisco de Assis, da Linha Marques do
Erval em Veranópolis, até hoje preservada. O nome da capela não é coincidência.
Na vida de Rovilio as coincidências não existem, elas apenas se somam. Sobre a capela no livro Italianos do Rio
Grande do Sul dia ele é:” Uma organização espontânea, ela tornou-se o centro
social da linha e acabou mesmo por substituir a linha como ponto de
referência”. (COSTA 1979 p.112)
O colono (copiando Euclides da Cunha) é antes de tudo um
forte, um sobrevivente. Raramente se deixa abater, pois cada dia é dia de luta,
que ele vai vencer com certeza, mas que o exaure. Por isto é rude, algumas vezes (poucas) até
agressivo com os de casa, especialmente, raramente com os de fora. Em geral
reage antes de ser agredido, pois está acostumado a ser menosprezado.Nos
primeiros tempos eram comuns os suicídios dos colonos, morriam de desgosto e de
loucura temporária. Há um provérbio que
diz “eu deixei a colônia, mas a colônia não me deixou”.O provérbio não pode ser
mais verdadeiro .Ser colono é assim
,para sempre.
Este era o modo de ser de Rovilio Costa. Seu modo de
falar tem a marca do seu Retiro natal, interior de Veranópolis, nome moderno da
antiga colônia Alfredo Chaves. Seu modo de ser e de falar era o mesmo modo de
ser e de falar de seus irmãos. Conhecê-los foi um reconhecimento dos traços
familiares. A mesma alegria, ironia e humor irresistíveis e despretensiosos,
uma marca de família. Melhor do que falar sobre Rovilio é recuperar sua voz. A
sua voz está em seus textos, e na entrevista feita em 26 de novembro de 2004,
por Vania Beatriz Merloti Heredia e por mim, quando estávamos preparando livro
sobre ele. Ela foi realizada em sua casa que era a EST, onde ele vivia entre as
edições feitas e por fazer. A casa situava-se na rua Veríssimo Rosa, n º 311,
no Parthenon, em Porto Alegre. Onde ele
nos recebeu com a alegria de sempre, e de pés descalços como costumava andar, e
assim nos acompanhou até na frente da casa quando partimos pisando os
paralelepípedos da rua. Da mesma forma, sem calçados seus irmãos nos receberam em suas casas, com
os tamancos a espera na porta de entrada da cozinha.
O lugar onde Rovilio nasceu é um dos mais belos do mundo,
fica a dez quilômetros do centro de Veranópolis, chamado Retiro por causa do
riacho murmurante com várias corredeiras, que atravessa a propriedade. O
terreno é acidentado, na sua parte mais baixa e plana há uma serraria e duas
casas de moradia. A casa onde Rovilio nasceu é grande, feita de madeira de
pinheiro de copa, com várias janelas e uma porta central, nela ficava a casa de
negócio de seu pai que se chamava Amílcar Francisco Costa e de sua mãe Maria Catarina
Moretto. A família morava na mesma casa, dividindo num mesmo espaço família e
comercio, que se completavam. Enfim uma velha casa de colônia. Nela viveu seu
irmão até sua morte.
A mãe foi a figura marcante na infância de Rovilio, por
ser o menor de todos ficava em casa, raramente ele ia para a roça, em casa
ficava a irmã mais velha Regina.Foi uma presença familiar dominante, mesmo após
a sua morte.Ele escreveu em seu obituário:” Espírito forte, comunicativa e
espontânea, Maria Catharina, cultivou em sua vida, dois ideais de virtudes
humanas e cristãs que a caracterizaram como uma santa de nossos dias, Na
plenitude de sua missão de Cireneu”. Sobre ela Rovilio diz ainda:
Minha mãe, ela fazia vendas, ela vendia galinha, vendia ovos... ia pra cidade à
cavalo. Ela
vendia palhas de cigarro. Fazia palhas em casa, ela e minha irmã. E
depois, o que ela vendia ainda? Galinha viva. Nunca se vendia galinha morta. Fui pouco à
cidade com minha mãe vender.
Vender, pouco. Ia sempre com a minha mãe visitar doentes, nos velórios, ela se
dava tempo pra tudo. Mesmo quando tinha alguém doente, uma senhora às vezes se
ganhava bebê etc., a gente ficava lá dois dias, três dias... E daí eu ia junto. Quando era no hospital também que ela ficava
cuidando, ia junto. Quando era velório, também ia junto. Sempre com minha mãe.
Meus irmãos, depois vinham mais tarde. Nós íamos logo que falecia alguém.
. O pai
pouco aparece na fala e nas narrativas
de Rovilio ,ao se referir a ele, fala em
dialeto .Parece ter sido homem de muitas opiniões e de poucas palavras.Segundo
os irmãos, Amilcar não tinha boca para
nada. Conta
Rovilio
Então Frei Beto ia em lá casa (o pai dizia) cosa fu con frate laico chi i no dizi
gnanca mesa. Laico marista, nem falar ? Cosa fa marista da scuola. Ma
Paulina da scuola anca ela?” .
Então, o raciocínio dele é: como passava o marista lá, e
o Frei Bento, ninguém precisava sair de casa. Ficou sabendo naquela
semana. Senão ele ficava muito
aborrecido. É, ele deve ter ficado muito triste. “
Rovilio nasceu em 20 de agosto de 1934, sob o signo de
Leão. Eu não vi, mas suponho que ele lia os seus horóscopos. Era um autentico
leonino. Seus irmãos, hoje mortos
contaram que Rovilio era uma criança muito viva e arteira. Sua família era
grande e pelo constatado barulhenta.
Entre as suas muitas artes uma delas foi a caça aos urubus. Com um laço
fabricado pelos irmãos, tentavam laçar os urubus que comiam a carcaça de um
cavalo morto.O menino acabou ferido.
Rovilio prefere ignorar as brincadeiras. A infância que ele lembra
O que eu recordo assim que me marcou. Eu sou o último da família, nós
somos sete irmãos. E... quando eu comecei ir à aula, antes de ir pra aula, eu
ia fazer as aulas de catecismo de domingo. Uma tal de Dona Maria Paulina, que chamavam de Marieta. Então era tudo oral.
Ela tinha um livrinho que tinha as perguntas: “Você é cristão?” “Sim, eu sou cristão
pela graça de Deus”. Aquela história toda... E a gente ia aprendendo de cor.
Depois, com esses mesmos colegas, a gente começou ir à aula. As últimas aulas
da primeira comunhão foram as primeiras da escola. Então a primeira comunhão
foi antes. Antes de ser alfabetizados. Não se falava português. Português eu
comecei
a falar quando fui à aula. Não conhecia o
português, como não conhecia os polacos. Então sabia que existia esse tal de italiano e tinha português, o
brasileiro. Então o brasileiro é aquele que falava o brasileiro, que era
o português. Mas a gente dizia que falava em brasileiro”
O potreiro fica numa
encosta íngreme, defronte a antiga casa de comércio, com o pasto alto e cercado
com taipa. Nos fundos do potreiro há uma mata com algumas árvores nativas, as
mesmas que bordejam o Riacho Retiro, e que dão uma sombra refrescante.
Lembra ainda:
Quem
falava em brasileiro era negro, porque lá em casa era pouso de negros, que eram
os tropeiros que iam para Guaporé seguiam pelo caminho de Fagundes Varela.
Depois eles
iam.. Às vezes eles iam pra serra, às vezes
voltavam pra pegar o caminho de Lagoa Vermelha e Vacaria, e como meu pai
tinha... um potreiro. Então eles largavam os animais ali, e como eram animais
mansos, largavam aí, davam pasto, e depois quando chamavam já recolhiam.
Ficavam às vezes até dois dias. Então iam tomar banho de rio, ficavam ali,
faziam as comidas deles, preparavam comida pra andar, ensinavam minha mãe a
fazer charque. De noite eles vinham em casa, e quando era época de cana-de-açúcar,
então nós plantávamos
aquela cana, sabe, de espiga? Aquela tipo milho.
Então o pai gostava de trazer uns feixes de cana, com espiga e tudo, botava no
chão da casa, e cada um com uma faquinha ia comendo, e chupando cana.”
A serraria é antiga,
hoje nela trabalham os sobrinhos de Rovilio. É do tempo do seu pai, naqueles
tempos antigos, um dos seus ganhos era a venda de lenha na cidade Conta
Rovilio:
E numa época nós vendíamos
lenha. Você recorda que em Veranópolis tinha a Fábrica de Linho? Daí nós vendíamos lenha para a
fábrica do linho. E a nossa carroça não estava emplacada.Então não podia levar.
Então a gente saía às quatro da manhã...
Pra levar a lenha até... A fábrica do linho era encostada da cidade,
então nunca chegava a polícia. Então a gente ia às quatro horas, e quando era às oito horas já tava em casa . E ali que começava a polícia a andar por aí.”
Segundo os irmãos de
Rovilio, alem de arteiro ele era muito preguiçoso, assim para eles a vocação
dele seria resultado de sua preguiça, porque não gostava
do trabalho braçal. Em outras palavras queria ser padre, pois não gostava de
trabalhar. Rovilio contesta
Parece
que não é bem verdadeiro isso. A vocação veio forçada.
E então eu estava sempre em casa com ela, porque a mãe então ia na roça, E
como minha irmã Regina era aleijada, fazia os trabalhos da casa quando a mãe não estivesse em
casa. E quando não tivesse em casa eu estava com
ela , ou num doente, ou num morto, coisa assim. Às vezes ia pra
cidade com ela. Então a
gente ia com dois cavalos então passava sempre esse irmão Afonso. Daí então eu ia sempre à aula dessa Paulina. E como era uma professora
muito boa, todos os colegas íamos à
aula de catequese. E era longe, tu tinha que caminhar uns três quilômetros. Então, o raciocínio dele
é: como passava o marista lá, e o Frei Bento, ninguém precisava sair de casa.
Não sei se eu insinuei que ia pro seminário, alguma coisa... Daí entrei no 46
. No fim do ano, época do Cristo Rei, tinha a primeira comunhão. Tinha
uma primeira comunhão lá em casa, e eu falei com o Padre que queria ir pro
seminário, mas que ele fosse lá em casa falar com minha mãe, e não falar com o
meu pai. Daí a minha mãe preparou a roupa, e tudo, e depois ela falou com ele,
e como quarta-feira dessa semana na segunda-feira da semana seguinte expirava o
prazo, daí o meu irmão, aquele o Pepe, me levou
pro seminário. Ficou sabendo naquela semana. Senão ele ficava muito aborrecido.
É, ele deve ter ficado muito triste. “
O
seminário parece tersido um fase boa da sua vida, segundo suas lembranças
Era pago o seminário, que eu me recordo, era
trinta cruzeiros... mas não era, não devia ser por mês. Devia ser uns trinta
cruzeiros por ano. Alguma coisa assim. ... o que que representava?... Uma
galinha eu sei que custa um mil réis e vinte centavos. Então umas trinta galinhas. É. Umas trinta galinhas por ano. E como nós tínhamos...O valor era simbólico: Não tinha gasto nenhum
no seminário, pois como nós trabalhávamos. Produzíamos até para distribuir para
famílias pobres que tinha na época lá, né. E mesmo esses trinta pilas, eu acho
que poucas vezes eles pagaram em dinheiro, porque meu pai fazia muito mel.
Então levava mel pro seminário. Fazia dois, três tonéis de mel. E dois tonéis
iam sempre lá pro seminário. Nós
gastavamos um pouco Lavavam a roupa em casa a do seminario. Todas as semanas ia alguém de casa buscar, e
na outra semana ia levar. Tinha
uma armário tipo esse ali, então todos que eram de Veranópolis tinham seu
lugar com o nome na portaria, o que vinha buscar a roupa só apertava a portaria
e dizia: ó eu só vem buscar a roupa do fulano. Ia lá, pegava e trazia. Só os de Veranópolis. Os outros lavam no seminário.
Então, se lavasse no seminário, eles mandavam lavar. Mandavam senhoras da
cidade lavar, passar ferro, costurar. Então custava alguma coisa a mais. Eu
acho que coisa de... de doze cruzeiros por ano, alguma coisa assim.
O dia a dia era sempre
igual e metódico :
O seminário era simples. Porque tu levantavas
de manhã, ia fazer o toalete. Levantava era cinco e meia, seis horas, seis e
quinze começavam as orações na capela, ia até sete... Seis e quinze, sete, mais
ou menos. Sete até sete e meia tinha uma leitura. Então era só leitura, não era
estudo. Era uma leitura de formação, ou espiritual, coisas assim... Também não
era livros de literatura, eram livros especiais. Cada um tirava um ou dois
livros pra ler. Naquele horário de manhã. Era uma leitura formativa. Depois
vinha o café... Sete horas ia tomar café.Missa era. nesse horário das seis e quinze às sete. Seis e
quinze às sete tinha missa e uma pequena oraçãozinha, né? Depois tu ia tomar
café. E às oito horas... Depois do café descascava batatas, ou amendoim, aipim. Na cozinha, pra preparar pro meio dia, né? Como era
muita gente, então preparavam ali uma cesta de batatas e todo mundo descascava.
E nesse horário de descascar batatas então se fazia leituras. Daí às oito horas tu ia pra aula. Às dez horas
interrompia. Depois até quinze pra meio-dia.De tarde às duas horas,tinha aula das duas até às quatro
Sobre os estudos ,parecem
ter sido atrapalhados pela mudanças curriculares
Fiz o primário), na escola da professora Paulina Na época nem escalonavam tanto. Era até a
seleta, diziam . Então até a seleta eu
tinha feito ali. E no seminário, como não tinha lugar, eu fiquei um ano
praticamente repetindo. E como não precisava repetir... A professora era uma
freira que se chamava Gema, era uma freira muito bacana. E tinha uma muito brava, chamada irmã Sidônia. Elas tinham uma escolinha
à parte, e davam aulas para os seminaristas. Então, como eu já sabia as lições
que elas davam, então eu limpava... Sabe que tinha na igreja aquelas
guirlandas, feitas de papel crepom ?Então nós, com um
canivete, limpávamos aqueles arames enquanto os outros estudavam.: Praticamente
um ano de varde. Depois ia buscar, ia
lá no colégio das freiras que era longe buscar comida pra elas ao meio-dia. Para as duas professoras, que ficavam comendo ali na escola. Outras vezes
agente ia levar alguma coisa pra cá e pra lá que elas mandavam. No final ficava
quase à serviço das duas freiras que davam aula. Às vezes ensinar aqueles que estavam ainda muito atrasados. , daí quando fui... no seminário se fazia o admissão. Sabe que na época o
admissão era desligado. Então fiz o admissão no seminário, fiz o primeiro e o
segundo ano ginasial. E na hora de fazer o terceiro veio uma lei que havia um
exame que você podia fazer, então tu aglutinava dois anos num. Então no fim do
segundo fiz exame também pro terceiro. Comi um ano ali. E aí
ficou sempre meu currículo com problema junto ao MEC, porque faltava um ano
ali. Faltava e era... Porque logo em seguida trocou a lei, e pra eles
entenderem isso aí, sabe trocam as pessoas. Eles se esquecem das
leis. Eram poucos que faziam isso aí. Daí então tinha que estudar,
mas o currículo do seminário era diferente, e os exames que eram oficiais eram
outros.
Então não tinha grego e não tinha latim, os outros
estudavam latim então de repente no segundo ginasial. E o
terceiro era o forte do latim. Então eu fiquei devendo
um monte de latim, e o grego todo. História... Estudava sim, História e Ciências
Naturais. Então naquele terceiro ano, tinha as tais de ciências naturais. A
primeira parte que era dos bichos eu tinha estudado alguma coisa. E a botânica
vinha ali. E daí a botânica eu não estudei. Fui à frente sem estudar botânica. Então fiquei
devendo a botânica, fiquei devendo o latim e o grego. Daí nas férias, nos horários de
folga, eu estudando. Quando fui pra Vila Ipê, eu sempre tirei primeiros lugares
tanto no grego quanto no latim , porque eu ficava com medo dos outros, que tinham anos de latim. Daí eu estudei feito burro. Não, não era tanta coisa.
Era bem simples. Eu estudava tudo por aquelas palavras memonotécnicas, sabe? “
Quem pensa que a religião iguala o pensamento se
engana ,a divisão ideológica entre os sacerdotes é igual aos demais homens.Ela
estava presente também nos
seminários.Como lembra Rovilio
havia
muitas correntes entre os professores. Dentro da província tinha os
Cabernários, que eram os tradicionalistas. E nós fomos pra Viamão e fomos
caracterizados como os Tupamaros. Então nós éramos o grupo dos Tupamaros. E daí
eu vim aí no convento e disse: Bá, aqui vai ser um desgaste federal. Não
interessa nada ficar aí. Uma discussão de balelas. O que interessa é estudar e
ter uma linha de trabalho como eu tinha no seminário. No seminário era estudo,
liberdade, iniciativa, criação etc Tinha lido na época o... O poeta Fernando
Pessoa, que diz: “Não é necessário viver, é necessário criar”. Então, na
criatividade... quer dizer, tu vai estudar pelo gosto, criando, fazendo
inovações etc. E daí então, vindo aqui pro teologado, tinha professores...
(...)Tinha o diretor que foi comigo, que é o Pagno (ainda vive lá em Campestre
da Serra acho, até publiquei um livrinho dele), uma pessoa muito boa, mas os
alunos não queriam porque ele era do grupo dos Cabernários. E ele representava
a Província . Enfim: os tradicionais e
os progressistas. .
A vida de professor de
Rovilio foi estranha
e muito criativa. Foi professor de muitas disciplinas em vários tempos ,
de biologia, de matemática , de grego ,de latim de psicologia ,dificil até de
citar. Alguns exemplos de como ensinar biologia e matemática que se parecem com
sua forma de fazer história , foram
decalcadas na realidade e não apenas
em modelos teóricos.
E daí quando vim a ser
professor do seminário de Ipê, quem era professor de botânica era o Dom Orlando(Dotti) , o bispo de Vacaria. . E naquele ano ele foi
pros Estados Unidos, estudar inglês, coisas ali... e sobrou todas as matérias
dele pra mim. Mas a tal da botânica, como não tinha ninguém lá pra dar a tal da
botânica, eu disse “deixa prá mim que eu vou”.
É, então eu peguei comecei a ler um livro achei que era fácil sabe
começa aquela coisa caótica de célula, núcleo, não sei o quê... eu disse “isso
aqui antes de eu dominar vai ser brabo. Ainda mais de dar aula...” Aí fui
passando o livro, vi lá na frente que falava de árvores etc., nesse meio tempo
eu tinha amizade com um tal de Alceu Barbedo, que antigamente trabalhava no
ministério. Ele mandou lá pro seminário um pacote de livros, e tinha dentro uma botânica publicada pelo INEP (acho que era na época...) com as plantas em
cores. Imagina. Daí olhei aquelas plantas, tinha poucas conhecidas. Eram plantas
meia nobres sabe? Não era guaviroba, pitangueira... Aquelas que tinha ali. Daí eu disse que como
tem as nossas aqui tem também outras, Daí fui na cidade e
peguei o velho Dengo, o velho Costelatto,
Cecatto, o velho Bisotto, peguei uns dez velhos... Levei pro seminário.
Distribuí um grupinho de alunos cada um, mandei pro bosque classificar plantas.
Trazer o nome que os velhos diziam, amostra, flor, folhas, se tivesse um
galhinho plantar... Depois a partir daí mandei procurar o nome científico, com
dicionários etc. E com aquele livro, então dava pra identificar o nome. Daí
então nós contamos a história do Lineu, a classificação das plantas, tudo isso ali. Os alunos adoraram! Depois achei livros da (...) da unidade.
...Eu queria que
não fosse nada de perder tempo. Eu vou dar matemática no lugar dele. Fui lá dar
matemática e eu sabia que ele dava isso aí porque eu escutei. Eu estava meio
contíguo, às vezes ia classificar plantas, e era na sala adiante, e se ouvia. E
a gurizada, era um inferno, sempre martirizados com aquela aula de matemática.
Eu fui lá ensinar o método da unidade.. Daí eu tive que ... explicar pra eles , como funcionava. Porque quando vinha
tempo, que era o problema, né? Se o aluno é ingênuo, com oito operários... Se
um livro custa dez pilas, outro livro custa dez vezes mais. Se com um operário
faço uma taipa de dez metros em tantos dias, com oito operários eu levo oito
vezes menos, e não oito mais. Então só ali que tinha a diferença.”
O trabalho de Rovilio
enquanto sacerdote e missionario foi
grande e atribulado ,perguntado porque
não foi estudar na Europa como seus colegas
, Ele respondeu que
Eu queria ser missionário. Depois
fui pro seminário e gostei daquilo lá. Comecei a trabalhar com agricultores,
fundei sindicato de trabalhadores... Era Frente Agrária Gaúcha(, FAG). É isso,
a FAG.7. O Galiotto, concomitantemente.
Ele trabalhava em Antônio Prado e eu em
Ipê. Ele fundou a de Antônio Prado e eu o do Ipê. Antônio Prado e Ipê
foram os dois primeiros sindicatos criados no
estado, O do Ipê é o primeiro fora da sede de município, que tinha uma
lei que tinha que ser em sede de município. E nós fizemos um progresso enorme
com o sindicato pelo seguinte: porque os empregadores rurais não tinham um
sindicato. E eles descontavam imposto sindical. E descontavam na nossa folha e
nós ficavamos com o dinheiro. Daí
compramos gabinete dentário, casa, um monte de coisas.. Era uma política da
Igreja Pra evitar que... Isso, que o colono caísse nas mãos do socialismo.Ao
mesmo tempo era um trabalho meio revolucionário. Era revolucionário porque
tinha como objetivo o cooperativismo. Quer dizer, não era tão conservador
quanto à primeira vista parece. A gente nem ligava o socialismo, nada. Talvez a
Igreja tinha essa mentalidade...
Sobre
o tema religião, Rovilio pouco ou nada falou. Sua religião parece ter sido
a da ação ,nos sindicatos no presidio de
Charqueadas . Ela está amarrada na prática da verdadeira missão da caridade.
Mais um prova da prática que guiou sua
vida, diz ele
Eu partia do seguinte:
você quer ser padre? Tem que fazer Teologia. É... quer orientação? Olha a Biblia Outro então é... pegava a bibliografia..
Vai fazer uma pastoral em cima, do sacramento do batismo vai dizer: o batismo é
ministro do sacramento matéria e forma, vai fazer o que? Falar do batismo isso
aí pro povo? Vai ser o caos, né? Então,
Tinha a unidade do sacramento. Se vocês vão no número 265, na tabela, naquele
CDU que é a Classificação Decimal Universal, na biblioteca fui eu classificar
lá em cima, e tem o geral sobre os sacramentos. 265, um, dois, três, quatro,
até sete, tem cada um dos sacramentos na ordem: batismo, crisma etc. Tem uma
semana, vocês vão lá ler pedaços de livro, desse ou daquele, cada um escolhe
três autores, que vai querer estudar, e me apresenta quais são. Podem ser os
mesmos, daí a gente adquire mais livros. E se eu vejo que são válidos, senão eu
vou dizer um que necessariamente tem que estudar,não é?
De tanto trabalhar o coração de Rovilio falhou. Foi o excesso de trabalho
que ocasionou o enfarte aos quarenta anos,como falou
Então tinha os padres que
tinha que reunir na primeira sexta-feira do mês eu reunia de manhã então eles
batiam um papo uma coisas... E trabalhava, era agente penitenciário do Jacuí,
que era coordenação de grupos, o presídio aberto de Mariante, que eu fiz o
estatuto, fizemos o supletivo lá dentro no presídio, e eu vinha e ia de lancha.
Porque daí eu aproveitava estudar, etc. E nesse vai e vem eu tive um infarte na
época. E eu cheguei de noite, ali pelas 6 horas, por ali, fui tomar banho e
fiquei... Caí ali no quarto e me encontraram no dia seguinte às quatro da
tarde. Porque eu tinha um depósito de balança, selos, coisas pra imprensa, e um
dos rapazes foi no meu quarto buscar os selos e me encontrou. Senão eu estaria
lá ainda hoje. Daí eu fiquei paralisado a mão esquerda, e isso foi... Sim, eu
sabia que estava lá, mas não falava nada, não... Daí então eu fiquei uns dois,
três meses de cama. E ali comecei a escrever aquela psicologia da fraternidade
religiosa, esses textos ali.
A escolha do curso de mestrado está ligado ao enfarte, e a sua fraqueza dele decorrente, ele mesmo conta
:
E o Serviço Social tinha que andar um monte, e
eu não tinha como caminhar. Caminhava mal e mal.Então não dava. Daí fui para
psicologia, fui pra ver, mas tinha também estágios, tinha que ir na Melanie Klein lá onde eu já tinha feito estágio na
época de Viamão... Eu fiz todo o meu estágio na Melanie lá em São Pedro. E também tinha que caminhar.
Daí tinha esse curso de psicologia na UFRGS, daí eu fui ver, não tinha que
caminhar nada, mas não interessava muito. Era uma psicologia experimental, na
época condutivismo, aquelas experiências todas, depois tinha a psicologia
educacional, então tinha que entrar pela educação. Daí entrei pela educação.
Até mais do que se fosse a clínica, porque aquela teria xafurdado, bitolado um
monte, não é? Daí depois nasceu lá a cadeira de teorias da personalidade, e
ninguém queria dar porque não tinha nenhum da psicologia clínica pra dar isso
aí, não é? Então eu digo: “deixa pra mim”.
Daí eu peguei as teorias da personalidade.
É interessante
observar como ele detestava
história .A antropologia sim o entusiasmava:
História, eu tenho uma raiva de história..Porque tinha um
professor de história. Era o Fulgêncio Caron... Então ele vinha: “descobrimento
do Brasil...”: No seminário . E aquela história... E falava, falava, contava...
E tinha o livro, e você não sabia... Mas eu tinha um pânico de exames de
história, era a única coisa que eu tinha medo. E no segundo ginasial tinha
história universal . Ele é padre ainda hoje. Muito bom polaco. Esse é um dos
únicos polacos que eu conheci. Então ele vivia lendo livros, contando
histórias... E tínhamos o programa pra desenvolver, mas ele não desenvolveu
programa nenhum, e nós sempre elogiávamos ele. Quando tinha história... Saíamos
pro recreio, todo mundo querendo continuar as histórias. Então ele ficou indo
com as histórias, e para o exame, tinha que prestar exame oral, então ele
distribuía um pedacinho cada um. Então todo mundo tinha o seu pedacinho. “Eu
vou interrogar você nesse pedacinho.” Tudo marcadinho. Todo mundo sabia de cor
e salteado. Ele ficou elogiado o melhor professor, todo mundo sabia... Daí então, história eu não estudei com ele.
Não estudei com o anterior.
Então ficou aquele
espectro da história, mas eu gostava das histórias contadas pelo pessoal.
Sempre admirei os caras que sabiam história porque achava que isso era uma
coisa inalcansável pra mim, Admirava que soubesse datas, nome de imperadores,
Napoleão... Daí então, quando fui pra Vila Ipê em 1962; Eu peguei e comecei a
me interessar pelo... eu era diretor espiritual,. Então como diretor espiritual não podia ir no
trabalho com a gurizada .A gente ia nos recreios sim, mas nos esportes, coisa e
tal...Pra não constranger, às vezes... E também tu não ia falar com esse ou com
aquele, se eles vinham falar, tudo bem.
E então de tarde eu ia fazer a correspondência, buscar correspondência no
correio, visitar algum doente, e a rapaziada ia trabalhar (das quatro até as
seis).
E eu sempre passava ali no Clube Ideal lá na Vila Ipê, então nesse clube tinha sempre os velhos jogando baralho. Eu ia lá, fazia algum desaforo, levava o chapéu de um, tirava... E daí veio a experiência aquela da botânica, dos velhos que sabiam botânica, e também quando eles vinham dar aula de botânica eles contavam histórias. “Que uma vez, por engano, eles pegaram essa erva, que é parecida com essa, fez um chá... A nona fez um chá. Deu não sei o que... E que essa erva não presta, tal”. Daí eu disse que se eles sabem essas histórias, eles sabem muitas outras.
E eu sempre passava ali no Clube Ideal lá na Vila Ipê, então nesse clube tinha sempre os velhos jogando baralho. Eu ia lá, fazia algum desaforo, levava o chapéu de um, tirava... E daí veio a experiência aquela da botânica, dos velhos que sabiam botânica, e também quando eles vinham dar aula de botânica eles contavam histórias. “Que uma vez, por engano, eles pegaram essa erva, que é parecida com essa, fez um chá... A nona fez um chá. Deu não sei o que... E que essa erva não presta, tal”. Daí eu disse que se eles sabem essas histórias, eles sabem muitas outras.
Daí fui começar a fazer
histórias. Cada velho contava história do que recordava dos avós deles, como é
que começaram, como é que namoraram, o que comiam, como eram as festas... E
escrevi, não tinha gravador, né? Então escrevia..: Em Ipê. E fazia o cara repetir,
anotava frases em dialeto, mas fundamentalmente fazia em português com frases
em dialeto. Fiz umas sessenta, setenta histórias, para publicar no jornal. Mas
eu quis fazer . E fazia o cara repetir, anotava frases em dialeto, mas
fundamentalmente fazia em português com frases em dialeto. Fiz umas sessenta,
setenta histórias, para publicar no jornal. Mas eu quis fazer : Mais outras.
Daí o Colombo era... Lá Lá no Correio
Riograndense. . O Colombo recebeu, com fotos também (a gente tinha colhido
fotos), depois de um tempo perguntei pra ele e “bah!”, disse, “até nem sei
aonde foram parar... Acho que numa limpeza elas foram postas fora”. Botou fora
as minhas histórias, botou fora as fotos, mas eu tinha os cadernos de anotações
daquilo lá. E com os cadernos de anotações fui reconstituindo algumas aqui em
Porto Alegre quando eu vim na Teologia.. E daí
eu disse: Mas porque nós não vamos fazer a história da região por meio das
histórias dos pioneiros? Primeiro como é que era? Para fazer uma história
agradável. O que que eles contavam? “Mas
como fazer?” E disse: “Olha, eu faço um tipo de um questionário, e vou te
mandar os alunos pra cá. Daí eu mandei nas férias os teólogos, e pra eles foi
uma beleza”... Então iam lá, distribuí eles nas prefeituras, foram vinte e
tantos. Distribuídos... A cada prefeitura pegava um ou dois, e levavam onde
tinha os velhos pra entrevistar, pra fazer a história dos municípios. Aí no
oeste do Paraná. Enquanto isso, alguns que ficaram por aqui que iam se ordenar,
eu mandei (o Irineu Costella, os Salame, esses ali...), mandei entrevistar
velhos aqui na região onde eles perambulavam . E daí fui fazendo aquele “vidas,
costumes e tradições”, depois ampliei para aquele “Assim vivem os italianos”..
E para aquele concurso de 75 já tinha
todo o material em casa ,dos 100 anos de imigração italiana.
Sobre o concurso do centenário
. O Irineu Costella veio
pra Porto Alegre estava ainda nessa
pendura. Daí eu disse: “Olha, nós vamos para Piratuba”, que eu estava
escrevendo a “Antropologia visual”, “eu vou analisando as fotos, e tu escreve”.
Mas era mais uma desculpa pra eu ir batendo um papo com ele. Daí nós fizemos a
tal da “Antropologia visual” lá em Piratuba. Depois encheu o saco ficar lá,
estava cheio de gente(...). Não tínhamos levado dinheiro nada, daí ele disse:
“Porque que vocês não vão no Iguaçu? Nas cataratas do Iguaçu?” Não, pra ir pra
lá nós tínhamos dinheiro. Lá que encontrei a mulher do Manfrói, aquela que
vinha da França, que estava passeando por ali sozinha. Tinha vindo visitar ele,
não sei se tinham se desentendido ou o quê? Daí já que estávamos ali, fomos pra
Assunção. Naquele dia tinha eleições em Assunção. E não tinha ônibus. E nós
tínhamos saído do hotel e tava sem dinheiro também, né? Porque aquele era caro.
Daí nós pedimos pro motorista que nós era assim, assim... que nós íamos a
Assunção e perdemos hotel... e agora onde nós vamos ficar? Eu disse “mas não
pode transportar porque aqui era só aqueles que trabalhavam nas mesas, tal....
Daí encontramos uma paramos aí. E daí se tratava depois de pagar a pensão,
porque nós ficamos uma semana lá. Como? Fomos vender cigarros.
Sobre a parceria com De Boni
“Assim vivem os
italianos” eu disse: tu escreve os artigos que você quer e eu escrevo aqueles
que eu quero. Depois juntamos. Então foi
mais por causa do trabalho dele na universidade?Daí nós fizemos esse “Os
italianos no Rio Grande do Sul”. o livro é confuso Por exemplo, as colônias, lá
está muito confundido. A criação das colônias... Cada uma. Quando foi criado...
o que significava colônia Guaporé?,É na época que entrou italianos, quando
começou, etc. Porque é importante inclusive pra esses carlistas que estão
fazendo todo esse trabalho de imigrações;
.
Sobre a EST
A EST veio do tempo do
presídio. Daquele infarte lá nos 70, mais ou menos. Daí eu comecei a escrever
na revista Convergência, era... Era uma revista dos religiosos, e como eu
estava acamado, não tinha onde ir pra cá e pra lá, o diretor da revista veio lá
em casa me visitar e disse: “O senhor tem que escrever um livro, um seriado
sobre vida religiosa.” E eu como tinha visto no teologado aquele negócio de
correntes disso, de aquilo outro, eu disso: Olha, fiquei pensando, pensando...
eu vou escrever uma coisa que seja uma resposta a uma forma de vida sobre uma
outra forma de vida boba, apenas jurídica... Bom hoje eu ouvi do cara que eu
pedi... “Não, mas juridicamente lê pertenceu a não sei o quê.” Eu disse: eu não
to perguntando juridicamente, to perguntando afetivamente, pelo trabalho dele,
pelo que tu conhece, que que era a pessoa, e não a que que ela pertencia
juridicamente... Isso não me interessa.” Então eu escrevi sobre fraternidade
religiosa, e publiquei todos esses tais de artigos, e quando terminou esses
artigos eu decidi fazer um livrinho, porque tinha muita procura esses tais
artigos. Eu só tinha uma revista, convidavam pra fazer palestras. E não era a
minha área, até não gostava muito disso aí porque eu tava preocupado com a
agricultura, com a botânica, com os sindicatos, com os presídios, e com aquelas
pequenas histórias que tava começando a fazer. Daí então escrevi isso ali, e
nas palestras eu ia porque geralmente era um grupo de irmãs etc. E daí eu
estava chateado de ir fazer palestras porque logo que fiquei padre o superior
mandou pregar um retiro. E ali no São Luis. Eu digo: um retiro pra mim? Manda
um... “Não”, disse, “o senhor prega bem, o padre lá da Auxiliadora me disse que
gostou muito do mês de maio”. Daí eu calculei, eu vou falar sobre o que? Sobre
vida religiosa, a primeira coisa... mas
também não sabia o que elas pensam. Fui lá no São Luis, e eu burro, nem
perguntei que população era. Quando cheguei lá era tudo freira arcaica velha,
com aqueles manto branco, sabe? Daí eu
lancei a primeira pergunta: o que é ser religiosa? E elas podiam bater um papo,
e depois a partir daí eu... mais ou menos eu tinha umas idéias, que não eram
bem aquelas que eu tinha me passado pelos livros e coisa e tal... Daí ninguém
dizia nada e de repente: “Ah, ser religiosa é viver na obediência, não sei o
que...” a outra: “Ser religiosa é ser
esposa de Cristo”. Daí eu olhei e disse: Que cara de mau gosto!Sabe que eu
disse lá em voz alta, e elas ficaram atentas. Daí eu disse: Pois é, esse seria
o pensar do mundo. Nós aqui falaMOS em
esposa de Cristo etc, ele escolheria uma jovem pra constituir uma família,
pra... Fui endossando o negócio... Então aí escrevi sobre esse... E com esse
livro, depois desses artigos transformados em livro, eu fiz essa tal da EST.
Mas antes eu já tinha experiência de editorar livros, porque como era amigo do
Leopoldo lá da Sulina, ele me dava os livros de filosofia e de educação pra dar
opinião.
E nesse meio tempo, eu
queria publicar o meu livrinho, aquele, então digo: vou publicar o meu livrinho
também. Apresentei pra ele e ele disse: “Mas , mas um assunto religioso? Até
vai ficar esquerdo porque tem outras Paulinas...” Ele era maçom, o Leopoldo. E
foi por ele que eu comecei a participar da maçonaria. Ele sempre me levava nas
reuniões. Eu de batina nem pensava naquela que iria participar das sessões da maçonaria...
E daí eu disse: Fazemos assim. O senhor edita meu livro,e eu acho que vai
vender, porque meus artigos tinham uma procura assim... Se não vender eu pago a
edição. Se vender o primeiro dinheiro é pra pagar a edição, o resto fica metade
cada um se der lucro. Daí com aquele livro fiz um segundo ,porque eu fui continuando os artigos e produzi
outros. Então fora dois livros sobre vida religiosa. “Psicologia da fraternidade religiosa”. E ali o livro ficou pronto em 31 de janeiro
de 73, foi o primeiro livro da edições
EST e meu. Os outros... quer dizer, o primeiro livro próprio. da EST. Os outros
levavam o nome da Sulina, por exemplo, e era
eu que pagava porque tinha que garantir, por exemplo, do... tinha uns
livros religiosos de outros autores, mas que eram frades. Eu interessava
publicar então eu garantia economicamente para poder usar o nome dele. E depois
se tornava meio difícil porque demorava, tinha que passar pelo conselho
editorial dele. Daí eu comecei a editar por conta e botava distribuidora
Sulina. Até que depois morreu o Leopoldo, no cofre tinha todas as notas, e eu
estava devendo todas elas. Porque eu pagava a ele e não ali... e as notas
ficavam no cofre e ninguém sabia da história minha e do Leopoldo. Ficava lá
simplesmente pra guardar. Era um tipo de negócio diferente, né? Daí eu
expliquei pro filho dele: “Olha, eu paguei todas pro Seu Leopoldo. Nós fazíamos
assim, assim... Até ele me prestava contas de livros por um mal entendido
de direitos autorais. Como é que ele me pagaria os direitos autorais se
eu não tivesse pago a edição? daí a EST começou a funcionar aonde eu estava
, o que funcionava era uma Olivetti 22, eu que corrigia fazia fazia tudo.
Praticamente até hoje.A EST começou
publicando textos religiosos. Depois publicou capuchinhos assim, que era... mas
a Sulina assumiu esses...... Mas ela editorava tudo, aprovado por eles. Só
ninguém sabia que tinha sido eu a encaminhar, e como o dono entregava lá eles
faziam E daí depois eu fui fazendo porque queria
publicar coisas mais simples... Por exemplo o Nanetto Pipetta, no 75 eu queria
publicar o Nanetto Pipetta e daí diz ele: “mas isso não vai vender”. Claro que
vai vender. Daí fizemos a experiência do... Andamos por Caxias seiscentas
ofertas do Nanetto Pippetta, vendeu quase duzentos livros. Pegamos toda a rua
Júlio de Castilhos... Pegamos por ruas, né? Daí a Sulina fez um volante, daí o
volante também ia a correspondência e eu disse se não tiver resultado nós
pagamos. E o Nanetto vendeu duas, três edições. E tem muita coisa primária que
eu mandei lá, que eles não sei se classificaram ou estão classificando lá. Até
tem uma estagiária bastante boa, parece. E tinha revistas que eu entendia, por
exemplo, essas revistas que eu completei lá em. E eu fui mandando número a
número que eu fui coletando, e agora aqui em cima, provavelmente com a sobra da
instalação da biblioteca queria completar ela, né? Então a... “Ah, porque isso
ali é religião, isso aqui é jornal...” Então, bom, digo: o que é jornal mandou
pro Hipólito da Costa pra mim, estou satisfeito.
O acervo da etnias nasceu com a EST
E nesse meio tempo nasceu a idéia de fazer o ACERVO DAS
ETNIAS e religiões. Então essas revistas já estão todas no Museu Antropológico.
Todas as caixas aqui embaixo são livros de religião, aquela enciclopédia grande
ali é uma enciclopédia católica italiana, que vai lá pra esse acervo.
Eu quero reunir umas vinte mil obras de
religião, vou comprar nos sebos Eu tinha
já um acervo
grande e mandei pro seminário de São
Paulo. Tinha por exemplo todas as obras que se publicou
sobre Alan Kardec. Ou dele ou sobre ele
significativamente feito estudo.
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