quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

DE COMO ESCREVER HISTORIA POSITIVA


 



 

 

 Resultado de imagem para IMAGENS DE ANTONIO CONSELHEIRO


 

 

“Salvar o passado e mudar tudo aquilo que era em tudo aquilo que deveria ser, somente isto para mim seria uma redenção”


Nietzsche

                                                               

                                                                           

 NORMA E FORMA


 

     Para escrever a história há algumas normas gerais que devem ser obedecidas, o conhecimento sobre elas é essencial para aqueles que desejam escrever obras perenes e definitivas.

     A norma de como deve ser escrita a história positiva está presente em Os   Sertões. Escrita a mais de 100 anos é até hoje considerada exemplar tanto na literatura como na história. A forma mais do que o conteúdo encanta a quem se aventura a ler e alentada obra, mas é o seu conteúdo que agride e espanta os leitores.

Mereceria um estudo detalhado –quiçá psicológico- o estranho paralelismo existente as vidas do autor e do personagem. Cunha e Maciel, sofrem de um mal comum, ambos são vítimas ou causadores do adultério, que literalmente os marcou e que acabou destruindo suas vítimas suas vidas.

Dados os limites desta reflexão apenas três aspectos serão destacados na obra: o conceito de região, as bases teóricas metodológicas e ideológicas e as fontes usadas pelo autor.

 

 

REGIÃO DA BARBÁRIE

 

     Nem só com preconceitos é escrita a história positiva. Poucos historiadores tem a clareza de Cunha sobre a importância da história, para a preservação da memória da sociedade, aponta fatos que foram esquecidos por não terem um historiador. Desta forma assume a condição de historiador, pois, não quer que Canudos seja esquecida, como guerra emblemática da civilização contra a barbárie, para tanto estabelece para sua obra um plano irretocável.

Em primeiro lugar monta o cenário do drama: o sertão. Como na época existiam poucos trabalhos sobre tal tema, lança-se á tarefa hercúlea de descreve-lo.

A descrição do sertão parte das variáveis então utilizadas pelo determinismo geográfico, em moda naquele início de século. Não se trata (nem poderia tratar) do espaço geográfico, mas do meio. Assim denomina a paisagem que descreve minuciosa e precisamente e assim denomina também a primeira parte da obra.   Usa as modernas variáveis da geomorfologia: o clima, a vegetação, o relevo, avançando sobre suas conseqüências para o nativo As duras condições geográficas fazem de seu morador um sobrevivente.

O meio por outro lado, aparece como fruto da diferença entre a dureza do sertão e a amenidade do litoral. O sertão é a antítese do litoral, e, ao mesmo tempo, tese e síntese da diferença. O litoral onde existe a civilização e onde está o poder. O sertão com suas plantas retorcidas e ressequidas pelas secas milenares tem como contrapartida o ressequido sertanejo, morador histórico das paragens e como as cactáceas, é um esquálido produto do meio. O sertão é a local da barbárie.

A pena de Euclides se aproxima do sertão,-  cena da luta- a partir do litoral ou seja de fora para dentro como se portasse uma câmara, que circula pela cena de Belo Monte (nome dado a povoação pelos seus moradores, e que ele chama de Canudos De uma tomada alto do Monte Santo vislumbra o espaço do conflito, o lugar onde vivem os bárbaros.

A descrição que resulta desta visão do alto da montanha é fotográfica. È necessário lembrar a força que a imagem da montanha tinha no final do século XIX e início do século XX. Basta citar Zaratustra e a Montanha Mágica de Thomas Mann. Montanha que significava a superioridade, o distanciamento e a possibilidade de amplitude da visualização. Do alto da maior montanha da região Cunha descreve-a passo a passo, resultando em leitura político geográfica, debruçando-se sobre os bosquejos cartográficos, que elaborou e que são reproduzidos no livro. Desta forma através da leitura precisa do mapa cria o cenário para o drama.

 A região é deduzida passo a passo, a partir das variáveis propostas, o resultado é impactante, a dureza do meio permite que seja explicado o nascimento da sub-raça sertaneja. Não há indução em momento algum, apenas a dedução através da ótica da segurança da doutrina positiva.

  Com a crueza de uma a filmadora   precisa a medonha paisagem. Mas a lente lê apenas o que vê o autor, não anda sozinha rodando o mundo. Focada nos aspectos   escolhidos registra apenas os pontos de vista do autor, sob a qual é posto.

     Da mesma forma que o homem, a região é deduzida do determinismo geográfico, que o autor conhece e no qual acredita. O meio como o homem são entidades em construção, nos primeiros estágios da criação humana e geográfica. Ambos- meio e homem- e se encontram na mais baixa escala da evolução geológica e social. São as diferenças entre o litoral e o sertão que marcam o tom. De certa forma o autor vindo do litoral consegue traçar a dureza dos caminhos e da viagem e o desencanto da chegada. Felizmente, filtro literário se sobrepõe à precisão da ciência, o que faz de Os Sertões, uma obra única. O sertão que molda o homem condena-o   a extinção

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CIÊNCIA E IDEOLOGIA

 

O que causa impacto imediato em Os Sertões é a paixão com que foi escrito. Amor e ódio estão sempre presentes. O desprezo contra os sertanejos e o amor pela ordem e pela legalidade está em todas as páginas. O autor ama o vencedor da luta e sente repugnância pelos vencidos, ao mesmo tempo que sente por eles uma imensa e insondável compaixão.

. Encontra argumentos fortes para justificar o governo e procura argumentos ainda mais fortes para caracterizar os conselheiristas. A repugnância pelos vencidos e a crença na justeza da guerra baseiam-se no seu convencimento pessoal. Sua convicção dá força à prova. Sua pena liquida sem piedade os rebeldes e a rebelião.

A utilização- com precisão-  dos símbolos e metáforas oferece ao leitor   imagens de força e coerência. Inesquecível é a comparação do arraial com uma medonha Tróia   de taipa. A imagens pejorativas e grandiosas se alternam ora Canudos é a Vendéia do sertão, ora é a Goblentz de trapeiros. Conselheiro é o mais acabado tipo de paranoico, só comparável a Bandara ou a Miguelzinho.

Bandarra que é utilizado como paradigma de loucura foi trovador e místico português. Seu nome era João Annes, sapateiro de profissão teria nascido em Trancoso (Beira) e preso em 18 de setembro de 1541, abjura de suas crenças fazendo auto de fé, sendo libertado. Vários de seus vaticínios referiam-se à volta de Dom Sebastião, que havia sumido em Ceuta. [1]Eis um exemplo

 

Augurai, gentes vindouras,

Que o Rei que daqui há de ir,

Vos há de tornar a vir

Passadas trinta (XXX) tesouras.[2]

 

        As profecias de Bandarra são atribuídas as crenças messiânicas, já que segundo constava era ligado aos cristãos novos da Beira, que, apesar de batizados como católicos, ainda esperavam o Messias que os viesse salvar. Bandarra teve suas trovas publicadas em 1602, sendo tão popular em Portugal e suas colônias como o vidente francês Nostradamus.

Para Cunha   é considerado um líder tão doente como Antônio Conselheiro, e, como ele, sem causa. Acontece que Bandarra não é líder de movimento de revolta mas apenas de agregação popular. Estudos mais recentes   indicam   que nem Antônio Conselheiro era inculto e paranóico como afirma a obra. Desta foram até as imagens inexoráveis   e dantescas de Canudos, são como Os Sertões leituras distorcidas da realidade.

 

A obra está fundada no conhecimento científico do final do século XIX, período marcado pelas   teorias positivista e determinista. O arcabouço da explicação repousa nos pressupostos da evolução.

 Há uma predeterminação do meio sobre os homens. Sertão e litoral determinam os homens que os habitam. O litoral é o lócus   do saber moderno, o sertão o do anacronismo. Os detentores do saber precisam   superar os detentores da ignorância. Há leis gerais que regem tal vitória.

O sertanejo mais do que forte é um ser destinado a destruição. O mestiço não tem lugar no mundo civilizado. O processo de civilização é o da vitória da raça superior sobre as raças inferiores.

Desta maneira as formas de explicar a realidade dependem dos meios que se dispõe para tal intento Não são só os conceitos que mudam, mudam também os instrumentos e os modelos de explicação. A ciência como o homem é produto de determinado espaço temporal, Muitas vezes os conceitos – e os modelos de explicação- mudam pelo aperfeiçoamento dos meios que se dispõe para ler a realidade.  Caso paradigmático é o da biologia, que mudou seu foco, com a descoberta dos meios atuais disponíveis para leitura  do mapa   genético do homem.

 

CIÊNCIA E PODER

 

O racismo europeu dá a base teórica, que serve de suporte, e pano de fundo, para a descrição do meio e do homem, dá segurança à narrativa, na qual as palavras nunca são   jogadas a esmo. Dele partem as raízes da mestiçagem produtos da história, e que é o sertão que permite e faz   florescer a mestiçagem, base da barbárie.

 

Não mudou o homem, enquanto espécie, mas apenas os meios de explicar suas semelhanças.  A biologia atual se vale das semelhanças existente entre os homens, contidas em seu genes. A carga genética humana descoberta une as raças numa similaridade impensável no final do século XIX. Então se pensava apenas em suas diferenças. As diferenças físicas determinavam as culturais, éticas e morais.

      Hoje a biologia acredita nos genes ou, ou seja no conteúdo interno do homem, para definir as igualdades e semelhanças.   Antes os cientistas acreditavam – em sua maioria- nas diferenças de forma A leitura da diferença é a utilizada por Euclides da Cunha. A civilização vence à barbárie. “È que neste caso a raça forte não destroi a fraca pelas armas, esmaga-a pela civilização.”[3]

 

 Para os positivistas, a força que move o processo histórico é o saber científico. A ciência positiva nega a fé, como fruto de tampos superados. Para eles o misticismo é tão retrógrado   quanto a metafísica. Na física dos novos tempos a ciência explica o mundo, a história e o homem.

A raça branca criou a ciência, e o saber é o poder maior do novo tempo. O saber é domínio da raça superior. Neste modo de ver o mundo de crentes e mestiços são excrescências no mundo moderno. O progresso é a negação da religião. O processo da civilização é o da vitória dos sábios sobre os ignorantes, da ciência sobre a religião. O saber da ciência é o grande poder.

      A repugnância que Euclides da Cunha sente pelos sertanejos é a do homem sábio contra os atraso daqueles que fazem da   crença religiosa o modo de ler o mundo, a fé, para este tipo de cientista , é uma forma de doença

 Porque essas psicoses epidêmicas despontam em todos os tempos e em todos os lugares como anacronismo palmares, contrastes inevitáveis na evolução desigual dos povos , patentes sobretudo, quando um largo movimento civilizador impele vigorosamente as camadas superiores. [4]

 

 

A utilização dos símbolos com precisão e felicidade traz ao leitor de Os sertões  imagens de força e coerência. Inesquecíveis as metáforas do arraial As imagens pejorativas e grandiosas se alternam ora Canudos ora é comparada a uma medonha Tróia   de taipa, ora a uma Vendéia do sertão ou a uma Goblentz de trapeiros.

 

      Da mesma forma o Conselheiro é  o  mais acabado tipo de paranóico, comparável  a Bandarra ou a Miguelzinho. Sua doença resulta do atraso cultural, que afeta todo um grupo  Líderes,  como ele doentes e sem causa., que  padecem do mal sem remédio da inferiorize racial e cultural. As imagens inesquecíveis de Canudos são como Os Sertões leituras distorcidas da  realidade.

A ciência como   saber do homem é marcada pelo tempo. O homem inventa explicações teóricas e passa acreditar nelas. Como observa Braudel:

 

Desgraçadamente, o vocabulário dos cientistas do homem s   não se presta para as definições peremptórias. Ainda que na maioria dos conceitos nem tudo  é indeterminado, dependem de um contínuo devir, estes conceitos estão longe se serem fixados de uma vez para sempre ,variam de um autor para outro de estão evoluindo diante de nossos olhos .(...) O que eqüivale dizer que no campo das ciências do homem (como no da filosofia),  as palavras mais simples variam freqüente e forçosamente de sentido segundo o pensamento que lha dá vida e a que as utiliza.[5]

 

TESTEMUNHA OCULAR


    

Como militar Euclides da Cunha foi  um jornalista bissexto,  quando pelos percalços de sua carreira  se afastava da corporação aproximava-se da imprensa ,como forma de subsistência. Foi num destes períodos que se tornou correspondente de guerra do Estadão.

Euclides da Cunha chega a Canudos como enviado pelo jornal O Estado de São Paulo, no final da guerra, ao que tudo indica, no final  de setembro.   Visita assim o cenário da guerra que estava acabando, conhece os conselheiristas sobreviventes   e realiza algumas reportagens sobre o conflito. As últimas trinta e uma páginas da obra resultam da vivência direta do autor, bem como a descrição do meio e do homem.

     A sua presença na agonia do movimento faz com se torne testemunha ocular da hecatombe. O resultado são preciosas páginas de história, cheias de força e revolta.

 

     Euclides da Cunha, como alguns autores que ele consulta fazem parte de um grupo seleto de intelectuais que importam modelos externos de explicação. Adota as posições da ciência européia positiva e racista, que acredita na inferioridade do Brasil e dos brasileiros em relação a Europa e aos europeus.

     A mescla das três raças tristes que marca o destino do sertanejo: índios , negros e portugueses( e quiçá algum gene batavo) criam  o feitio grotesco do povo do sertão.

 

Como nas somas algébricas as qualidades dos elementos que se justapõem, não se acrescentam, subtraem-se ou destroem-se segundos os caracteres positivos ou negativos em presença. E o mestiço – mulato, mameluco ou cafuz-, menos que um internediário, é um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos ancestrais superiores.[6]

 

Desta forma a mestiçagem não é um produto de uma soma algébrica, mas um desastre biológico feito de mesclas e de incertezas, Resultado adverso de uma quebra milenar de origem. Nem brancos superiores, nem negros inferiores, os mestiços são apenas mulas híbridas e improdutivas, este é o sertanejo euclidiano, marcado para morrer.

Tal povo da raça inferior, segundo sua expressão vigorosa, só poderia perder a luta para a raça superior, ainda não conspurcada pela mestiçagem.

     Ao escrever a história do massacre de brasileiros por brasileiros porta-se como europeu culto e alheio ao meio em que vive. De certa forma nega os princípios deterministas do meio e da raça, como se ele, -  e só ele-  fosse imune aos princípios científicos que defende.

 

 

 

VERDADE INCONTESTE

 

     Como homem de seu tempo Euclides da Cunha não indica as suas fontes. Consulta autores, os mais abalizados de seu tempo para justificar suas afirmações. De Hegel à Humbold desfilam os sábios de seu século, destilando seu saber a partir de suas não citações.  Fornecem ao autor o arcabouço da explicação. O homem e o meio brotam deste arcabouço teórico, preenchido pela beleza arrepiante do texto. Se o meio e o homem se valem de teorias positivas, onde a diferença entre a cultura e a civilização é a norma. A história brota da leitura oficial do episódio. Talvez aí reside a diferença entre as duas primeiras partes e a terceira.

As fontes utilizadas por Cunha são as oficiais, aquelas que fazem parte da hierarquia militar. Como guardiões da república, como haviam sido antes do império, os oficiais de carreira só relatam fatos oficiais, que sejam adequados ao poder ao qual servem. São como ordens do dia, mais do que testemunhos.

São em número de trinta e seis as fontes indicadas de forma incompleta por Euclides da Cunha.  Destas oito são testemunhos de militares, que participaram da guerra de forma direta ou indireta. São militares de alta patente de general a coronel. Não há depoimentos de soldados rasos.

As provas apresentadas na obra são as   produzidas pelas autoridades militares, que são parte do conflito. Como um processo imperfeito não há o contraditório, pois só uma das partes é ouvida. Os seguidores do Conselheiro e a do povo que o venerava não são consultados. A verdade de um lado só revela toda a desigualdade do julgamento. As   testemunhas leais a causa que defendem, são os juízes da causa vencida.

O outro lado da moeda inexiste. A moeda tem uma só face. A contradição ou o contraditório como preferem os rábulas não está presente. Os relatórios oficiais, as ordens do dia, os ofícios das autoridades policiais, servem de ponto de partida para a descrição e de baliza para o julgamento do   autor.

A história de uma só mão foi composta pela consulta de dez fontes documentais, que são citadas na obra. Defensor dos vencedores não consulta os historiadores da época, vale-se de periódicos. Cita apenas cinco jornais, sem indicações sobre   datas e números consultados. Sabe-se que O Estado de São Paulo, A Gazeta de Notícias, O País e o Jornal do Brasil e a Nacion de Buenos Aires, serviram-lhe de fonte. São desconhecidos os motivos pelos quais que não  foi   citado O Jornal do Comércio, único que cobriu  o evento com enviado especial , que permaneceu e, Canudos durante o decorrer da guerra .   Se outras foram consultadas não foram citadas.

São utilizadas ainda   fontes bibliográficas. Entre elas estão alguns tomos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do número   10 e seguintes: Memórias de Manuel Ximenez; Os crimes célebres do Ceará, do Coronel João Brígido; História do Brasil, de João Ribeiro entre outras. São autores pertencentes á mesma escola do autor. Mas a grande fonte foi  sua presença  no cenário da luta, Como um novo Tucídides ele é testemunha  do fato.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Não é possível ignorar o fato que se Canudos é  o mais lembrado dos movimentos ante republicanos – sejam monarquistas, sebastianistas, milenaristas ou messiânicos - muito se deve  a Euclides da Cunha. Condenado pela revisão historiográfica contemporânea Os Sertões continua sendo   uma obra de referência obrigatória no estudo da história brasileira, cruzando as fronteiras da história avançou para condição de obra prima literária.  A obra criou explicações e personagens.

 Tão importante foi a obra, que Canudos tornou-se a temática de Os sertões, como se o episódio sangrento da história brasileira fosse apenas uma cena da obra. A obra e a fato de certa forma se confundem.  Tudo se passa como se   figura de Antônio Conselheiro fosse apenas o tresloucado personagem de Euclides da Cunha.

 A obra marcou tanto o evento que o massacre dos seguidores de Antônio Maciel parece ser uma questão de justiça civilizatória, e até hoje seus seguidores são chamados de    fanáticos e jagunços, termos esculpidos pelo autor.

Cunha justifica o processo de extermínio, dando forças ao Estado que joga sua força militar contra os miseráveis. Mais do que isto criou heróis oficiais e bandidos oficialescos, criou ainda uma mitologia de superioridade racial, que se eterniza na  cultura brasileira. A da civilização que mata a cultura.

Criou um história que fez escola: onde a evolução e a cultura superior da raça  branca matam , e , necessariamente devem  matar  a cultura inferior da raça mestiça. Ao mesmo tempo em que criou uma obra prima literária marcada por tal crueldade que lembram a de Nietzsche ao afirmar que “por um propósito dionisíaco,  a solidez do martelo , a alegria própria da destruição, são premissas absolutamente necessárias.”.[7] Para fazer surgir a estátua é necessário romper o mármore, este parece ser o papel de Euclides da Cunha. A estátua do Conselheiro nasce da sua morte em Canudos, Os sertões é a sua memorabilia.

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[1] HERMANN,     Jacqueline. No reino do Desejado. A consturção do sebastianismo em Protugal séculos XVI eXVII. São Paulo : Comanhia das Letras1998, p.44
[2] CRUZ, José Marques da .Profecias de Nostradamus. São Paulo: Menphis, s/data .p.136.
[3] CUNHA ,Euclides da. Os sertões. São Paulo: Abril Cultural ,2003.p. 75
[4] CUNHA ,Euclides da. Os sertões. São Paulo: Abril Cultural ,2003.p. 75
[5] BRAUDEL,Fernand. Las Civilizaciones actuales.Madrid: tecnos, 1969.p.12.
[6] CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Abril Cultural ,2003.p. 75
[7] NIETZSCHE, F. Ecce Homo Tradução de Lourival de Queiroz Henkel. Rio de Janeiro,Tecnoprint, s/d.p. 184


 



segunda-feira, 18 de setembro de 2017

A VOZ DE ROVILIO COSTA (EXCERTOS)





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Fazer história, pois, é voltar às origens,
Não de fatos isolados, as vezes arbitrários,
 Mas, os origens da forma da vida de um povo
R. Costa
           
            Tenho certeza que todos devem falar e escrever sobre as inúmeras qualidades de Rovilio Costa. Se bem conheci o homenageado, por certo ele ficaria constrangido. Pois as homenagens pareciam ter este efeito sobre ele, ao menos sobre o Rovilio que eu conheci. Já escrevi sobre ele e sua obra, agora meu objetivo é deixa-lo falar.
            O Rovilio que eu conheci tinha o modo de ser dos colonos. Não dos imigrantes italianos nada disto, mas daqueles nascidos na colônia. Os seus descendentes, aqueles mesmos que ainda vivem nos seus lotes rurais de modo semelhante desde chegada dos seus antepassados ao Brasil. Aqueles, os imigrantes eram homens sérios e tristes. Estes, seus descendentes são alegres e maliciosos. Homens ligados à terra que sabem a importância que ela tem para alimentar os homens das cidades. Chamado por eles homens importantes. Importante, para eles, é aquele ser urbano que se importa com a aparência, que se preocupa consigo mesmo, que se acha. Quando dizem que alguém é importante, isso significa que ele é o outro, que não faz parte de seu grupo.
            Eles não se consideram importantes ao contrário, acreditam na força do trabalho que fazem, trabalho que os torna   iguais aos outros colonos. Eles são simples, tremendamente diferentes dos homens das cidades.O parentesco por outro lado é essencial, ser parente significa uma espécie de crédito genético.
            O que significa ser colono? Em primeiro lugar è um ser em extinção, significa ter as mãos grossas de tanto lidar na terra, com a certeza que o trabalho se não enriquece, mas que pelo menos   permite comer bem e ter uma vida digna.  Significa também desconfiar de tudo e de todos. Significa acima de tudo pertencer a terra e a um lugar e a um grupo, que tem costumes e hábitos próprios, que os torna muito diferentes dos homens urbanos. O outro o de fora é aquele que não sabe lidar com a terra, que tem outros valores e costumes. Que desconhecem com quem estão lidando, que deles difere em tudo. O outro nunca será um deles. Sempre será bem vindo de bem tratado, sempre será uma visita, mas não parte do grupo, pois seu mundo é outro. O mundo dos que cultivam e amam a terra tem peculiaridades que os que não o fazem não os podem entender.
            O colono é curioso, acredita que saber da vida alheia é uma constante. Rir de si mesmo e de suas próprias pretensões é seu modo de ser, e dos que se acham importantes. Especialmente para os que deixaram a colônia, tal curiosidade de é uma obrigação. O colono da região colonial italiana é diferente dos outros agricultores brasileiros, e ainda mais diferente dos agricultores italianos. Seu mundo é novo, criado pela exclusão, pelas dificuldades, pela carência, pela saudade e pelo luto do que foi perdido pelos seus maiores, sentimento que herdou.
            Entre os seus, no calor dos jogos ou do trabalho, o colono se transforma, ele é outro. Alegre e irônico, de uma ironia infantil.  O outro aquele que não vive da terra, não consegue ver seu lado feliz, após um bom almoço acompanhado de um vinho, onde ele se revela. Então as anedotas e as músicas fesceninas os alegram. Herança ancestral cuja origem eles desconhecem, mas que os marca. A licenciosidade que parece ter saindo dos etruscos, famosos por tal traço. A presença   da licenciosidade é tão forte quanto a da religião.
           
            A religião do colono, no nome é a Católica Apostólica Romana, na prática ele fez da religião e da capela seu centro social, como outros   centros que vieram mais tarde: sociedades esportivas e recreativas.O primeiro foi sem dúvida a capela, anterior à paróquia. O salão da capela é o lugar para o jogo, para a bebida e para as fofocas, numerosas e picantes. Como eram poucas as missas rezadas   a capela servia para mais para a reza das ladainhas e dos rosários.Em geral frequentada apenas pelas mulheres e pelas crianças.Os homens preferiam a bodega, nome apropriado para as parcas condições do seu local de lazer. A missa dominical era realizada na igreja mais próxima, na capela eram realizadas apenas nas festas do padroeiro. 
            A capela onde Rovilio nasceu era a de São Francisco de Assis, da Linha Marques do Erval em Veranópolis, até hoje preservada. O nome da capela não é coincidência. Na vida de Rovilio as coincidências não existem, elas apenas se somam.  Sobre a capela no livro Italianos do Rio Grande do Sul dia ele é:” Uma organização espontânea, ela tornou-se o centro social da linha e acabou mesmo por substituir a linha como ponto de referência”. (COSTA 1979 p.112)
            O colono (copiando Euclides da Cunha) é antes de tudo um forte, um sobrevivente. Raramente se deixa abater, pois cada dia é dia de luta, que ele vai vencer com certeza, mas que o exaure.  Por isto é rude, algumas vezes (poucas) até agressivo com os de casa, especialmente, raramente com os de fora. Em geral reage antes de ser agredido, pois está acostumado a ser menosprezado.Nos primeiros tempos eram comuns os suicídios dos colonos, morriam de desgosto e de loucura temporária.   Há um provérbio que diz “eu deixei a colônia, mas a colônia não me deixou”.O provérbio não pode ser mais verdadeiro .Ser colono é  assim ,para sempre.
            Este era o modo de ser de Rovilio Costa. Seu modo de falar tem a marca do seu Retiro natal, interior de Veranópolis, nome moderno da antiga colônia Alfredo Chaves. Seu modo de ser e de falar era o mesmo modo de ser e de falar de seus irmãos. Conhecê-los foi um reconhecimento dos traços familiares. A mesma alegria, ironia e humor irresistíveis e despretensiosos, uma marca de família. Melhor do que falar sobre Rovilio é recuperar sua voz. A sua voz está em seus textos, e na entrevista feita em 26 de novembro de 2004, por Vania Beatriz Merloti Heredia e por mim, quando estávamos preparando livro sobre ele. Ela foi realizada em sua casa que era a EST, onde ele vivia entre as edições feitas e por fazer. A casa situava-se na rua Veríssimo Rosa, n º 311, no Parthenon, em Porto Alegre.  Onde ele nos recebeu com a alegria de sempre, e de pés descalços como costumava andar, e assim nos acompanhou até na frente da casa quando partimos pisando os paralelepípedos da rua. Da mesma forma, sem calçados   seus irmãos nos receberam em suas casas, com os tamancos a espera na porta de entrada da cozinha.
            O lugar onde Rovilio nasceu é um dos mais belos do mundo, fica a dez quilômetros do centro de Veranópolis, chamado Retiro por causa do riacho murmurante com várias corredeiras, que atravessa a propriedade. O terreno é acidentado, na sua parte mais baixa e plana há uma serraria e duas casas de moradia. A casa onde Rovilio nasceu é grande, feita de madeira de pinheiro de copa, com várias janelas e uma porta central, nela ficava a casa de negócio de seu pai que se chamava Amílcar Francisco Costa e de sua mãe Maria Catarina Moretto. A família morava na mesma casa, dividindo num mesmo espaço família e comercio, que se completavam. Enfim uma velha casa de colônia. Nela viveu seu irmão até sua morte.
            A mãe foi a figura marcante na infância de Rovilio, por ser o menor de todos ficava em casa, raramente ele ia para a roça, em casa ficava a irmã mais velha Regina.Foi uma presença familiar dominante, mesmo após a sua morte.Ele escreveu em seu obituário:” Espírito forte, comunicativa e espontânea, Maria Catharina, cultivou em sua vida, dois ideais de virtudes humanas e cristãs que a caracterizaram como uma santa de nossos dias, Na plenitude de sua missão de Cireneu”. Sobre ela Rovilio diz ainda:
 Minha mãe, ela fazia vendas, ela vendia galinha, vendia ovos... ia pra cidade à cavalo. Ela vendia palhas de cigarro. Fazia palhas em casa, ela e minha irmã. E depois, o que ela vendia ainda?  Galinha viva. Nunca se vendia galinha morta. Fui pouco à cidade com minha mãe vender. Vender, pouco. Ia sempre com a minha mãe visitar doentes, nos velórios, ela se dava tempo pra tudo. Mesmo quando tinha alguém doente, uma senhora às vezes se ganhava bebê etc., a gente ficava lá dois dias, três dias... E daí eu ia junto. Quando era no hospital também que ela ficava cuidando, ia junto. Quando era velório, também ia junto. Sempre com minha mãe. Meus irmãos, depois vinham mais tarde. Nós íamos logo que falecia alguém.
    

            .  O  pai pouco aparece na fala e nas  narrativas de Rovilio ,ao se referir a ele, fala  em dialeto .Parece ter sido homem de muitas opiniões e de poucas palavras.Segundo os irmãos, Amilcar  não tinha boca para nada. Conta Rovilio
 Então Frei Beto ia em lá casa  (o pai dizia)   cosa fu con frate laico chi i no dizi gnanca mesa. Laico marista, nem falar ? Cosa fa marista da scuola. Ma Paulina da scuola anca ela?” .
Então, o raciocínio dele é: como passava o marista lá, e o Frei Bento, ninguém precisava sair de casa. Ficou sabendo naquela semana.  Senão ele ficava muito aborrecido. É, ele deve ter ficado muito triste.  “

            Rovilio nasceu em 20 de agosto de 1934, sob o signo de Leão. Eu não vi, mas suponho que ele lia os seus horóscopos. Era um autentico leonino.  Seus irmãos, hoje mortos contaram que Rovilio era uma criança muito viva e arteira. Sua família era grande  e pelo constatado barulhenta. Entre as suas muitas artes uma delas foi a caça aos urubus. Com um laço fabricado pelos irmãos, tentavam laçar os urubus que comiam a carcaça de um cavalo morto.O menino acabou ferido.  Rovilio prefere ignorar as brincadeiras. A infância que ele lembra
O que eu recordo assim que me marcou. Eu sou o último da família, nós somos sete irmãos. E... quando eu comecei ir à aula, antes de ir pra aula, eu ia fazer as aulas de catecismo de domingo. Uma tal de Dona Maria Paulina,  que chamavam de Marieta. Então era tudo oral. Ela tinha um livrinho que tinha as perguntas: “Você é cristão?” “Sim, eu sou cristão pela graça de Deus”. Aquela história toda... E a gente ia aprendendo de cor. Depois, com esses mesmos colegas, a gente começou ir à aula. As últimas aulas da primeira comunhão foram as primeiras da escola. Então a primeira comunhão foi antes. Antes de ser alfabetizados. Não se falava português. Português eu comecei a falar quando fui à aula. Não conhecia o português, como não conhecia os  polacos. Então sabia que existia esse tal de italiano e tinha português, o brasileiro. Então o brasileiro é aquele que falava o brasileiro, que era o português. Mas a gente dizia que falava em brasileiro”          
    
            O potreiro fica numa encosta íngreme, defronte a antiga casa de comércio, com o pasto alto e cercado com taipa. Nos fundos do potreiro há uma mata com algumas árvores nativas, as mesmas que bordejam o Riacho Retiro, e que dão uma sombra refrescante. Lembra    ainda:
               Quem falava em brasileiro era negro, porque lá em casa era pouso de negros, que eram os tropeiros que iam para Guaporé seguiam pelo caminho de Fagundes Varela. Depois eles iam.. Às vezes eles iam pra serra, às vezes voltavam pra pegar o caminho de Lagoa Vermelha e Vacaria, e como meu pai tinha... um potreiro. Então eles largavam os animais ali, e como eram animais mansos, largavam aí, davam pasto, e depois quando chamavam já recolhiam. Ficavam às vezes até dois dias. Então iam tomar banho de rio, ficavam ali, faziam as comidas deles, preparavam comida pra andar, ensinavam minha mãe a fazer charque. De noite eles vinham em casa, e quando era época de cana-de-açúcar, então nós plantávamos aquela cana, sabe, de espiga? Aquela tipo milho. Então o pai gostava de trazer uns feixes de cana, com espiga e tudo, botava no chão da casa, e cada um com uma faquinha ia comendo, e chupando cana.”
           
           
            A serraria é antiga, hoje nela trabalham os sobrinhos de Rovilio. É do tempo do seu pai, naqueles tempos antigos, um dos seus ganhos era a venda de lenha na cidade Conta Rovilio:
 E numa época nós vendíamos lenha. Você recorda que em Veranópolis tinha a Fábrica de Linho?  Daí nós vendíamos lenha para a fábrica do linho. E a nossa carroça não estava emplacada.Então não podia levar. Então a gente saía às quatro da manhã...  Pra levar a lenha até... A fábrica do linho era encostada da cidade, então nunca chegava a polícia. Então a gente ia às quatro horas, e quando era às oito horas já tava em casa . E ali que começava a polícia a andar por aí.”

            Segundo os irmãos de Rovilio, alem de arteiro ele era muito preguiçoso, assim para eles a vocação dele seria resultado de sua preguiça, porque não gostava do trabalho braçal. Em outras palavras queria ser padre, pois não gostava de trabalhar. Rovilio contesta
                        Parece que não é bem verdadeiro isso. A vocação veio forçada. E então eu estava sempre em casa com ela, porque a mãe então ia na roça, E como minha irmã Regina era aleijada, fazia os trabalhos da casa quando a mãe não estivesse em casa. E quando não tivesse em casa eu estava com ela , ou num doente, ou num morto, coisa assim. Às vezes ia pra cidade com ela.  Então a gente ia com dois cavalos então passava sempre esse irmão Afonso. Daí então eu ia sempre à aula dessa Paulina. E como era uma professora muito boa, todos os colegas   íamos à aula de catequese. E era longe, tu tinha que caminhar uns três quilômetros. Então, o raciocínio dele é: como passava o marista lá, e o Frei Bento, ninguém precisava sair de casa. Não sei se eu insinuei que ia pro seminário, alguma coisa... Daí   entrei no 46  . No fim do ano, época do Cristo Rei, tinha a primeira comunhão. Tinha uma primeira comunhão lá em casa, e eu falei com o Padre que queria ir pro seminário, mas que ele fosse lá em casa falar com minha mãe, e não falar com o meu pai. Daí a minha mãe preparou a roupa, e tudo, e depois ela falou com ele, e como quarta-feira dessa semana na segunda-feira da semana seguinte expirava o prazo, daí o meu irmão, aquele o Pepe, me levou pro seminário.  Ficou sabendo naquela semana.  Senão ele ficava muito aborrecido. É, ele deve ter ficado muito triste.  “

                                        O seminário parece tersido um fase boa da sua vida, segundo suas  lembranças  
 Era pago o seminário, que eu me recordo, era trinta cruzeiros... mas não era, não devia ser por mês. Devia ser uns trinta cruzeiros por ano. Alguma coisa assim. ... o que que representava?... Uma galinha eu sei que custa um mil réis e vinte centavos. Então umas trinta galinhas. É. Umas trinta galinhas por ano. E como nós tínhamos...O valor era simbólico: Não tinha gasto nenhum no seminário, pois como nós trabalhávamos. Produzíamos até para distribuir para famílias pobres que tinha na época lá, né. E mesmo esses trinta pilas, eu acho que poucas vezes eles pagaram em dinheiro, porque meu pai fazia muito mel. Então levava mel pro seminário. Fazia dois, três tonéis de mel. E dois tonéis iam sempre lá pro seminário. Nós gastavamos  um pouco  Lavavam a roupa em casa a do seminario.  Todas as semanas ia alguém de casa buscar, e na outra semana ia levar. Tinha uma armário tipo esse ali, então todos que eram de Veranópolis tinham seu lugar com o nome na portaria, o que vinha buscar a roupa só apertava a portaria e dizia: ó eu só vem buscar a roupa do fulano. Ia lá, pegava e trazia. Só os de Veranópolis. Os outros lavam no seminário. Então, se lavasse no seminário, eles mandavam lavar. Mandavam senhoras da cidade lavar, passar ferro, costurar. Então custava alguma coisa a mais. Eu acho que coisa de... de doze cruzeiros por ano, alguma coisa assim.
O dia a dia era sempre igual e metódico :
 O seminário era simples. Porque tu levantavas de manhã, ia fazer o toalete. Levantava era cinco e meia, seis horas, seis e quinze começavam as orações na capela, ia até sete... Seis e quinze, sete, mais ou menos. Sete até sete e meia tinha uma leitura. Então era só leitura, não era estudo. Era uma leitura de formação, ou espiritual, coisas assim... Também não era livros de literatura, eram livros especiais. Cada um tirava um ou dois livros pra ler. Naquele horário de manhã. Era uma leitura formativa. Depois vinha o café... Sete horas ia tomar café.Missa era. nesse horário das seis e quinze às sete. Seis e quinze às sete tinha missa e uma pequena oraçãozinha, né? Depois tu ia tomar café. E às oito horas... Depois do café descascava batatas, ou amendoim, aipim. Na cozinha, pra preparar pro meio dia, né? Como era muita gente, então preparavam ali uma cesta de batatas e todo mundo descascava. E nesse horário de descascar batatas então se fazia leituras. Daí às oito horas tu ia pra aula. Às dez horas interrompia. Depois até quinze pra meio-dia.De tarde às duas horas,tinha aula das duas até às quatro
Sobre os estudos ,parecem ter sido atrapalhados pela mudanças curriculares

  Fiz  o primário), na escola da professora Paulina Na época nem escalonavam tanto. Era até a seleta, diziam . Então até a seleta eu tinha feito ali. E no seminário, como não tinha lugar, eu fiquei um ano praticamente repetindo. E como não precisava repetir... A professora era uma freira que se chamava Gema, era uma freira muito bacana. E tinha uma muito brava, chamada irmã Sidônia. Elas tinham uma escolinha à parte, e davam aulas para os seminaristas. Então, como eu já sabia as lições que elas davam, então eu limpava... Sabe que tinha na igreja aquelas guirlandas, feitas de papel crepom ?Então nós, com um canivete, limpávamos aqueles arames enquanto os outros estudavam.: Praticamente um ano de varde.   Depois ia buscar, ia lá no colégio das freiras que era longe buscar comida pra elas ao meio-dia. Para as duas professoras, que ficavam comendo ali na escola. Outras vezes agente ia levar alguma coisa pra cá e pra lá que elas mandavam. No final ficava quase à serviço das duas freiras que davam aula. Às vezes ensinar  aqueles que estavam ainda muito atrasados. , daí quando fui... no seminário se fazia o admissão. Sabe que na época o admissão era desligado. Então fiz o admissão no seminário, fiz o primeiro e o segundo ano ginasial. E na hora de fazer o terceiro veio uma lei que havia um exame que você podia fazer, então tu aglutinava dois anos num. Então no fim do segundo fiz exame também pro terceiro. Comi um ano ali. E aí ficou sempre meu currículo com problema junto ao MEC, porque faltava um ano ali. Faltava e era... Porque logo em seguida trocou a lei, e pra eles entenderem isso aí, sabe trocam as pessoas. Eles se esquecem das leis. Eram poucos que faziam isso aí. Daí então tinha que estudar, mas o currículo do seminário era diferente, e os exames que eram oficiais eram outros.
      Então não tinha grego e não tinha  latim, os outros estudavam latim  então de repente no segundo ginasial. E o terceiro era o forte do latim. Então eu fiquei devendo um monte de latim, e o grego todo. História... Estudava sim, História e Ciências Naturais. Então naquele terceiro ano, tinha as tais de ciências naturais. A primeira parte que era dos bichos eu tinha estudado alguma coisa. E a botânica vinha ali. E daí a botânica eu não estudei. Fui à frente sem estudar botânica. Então fiquei devendo a botânica, fiquei devendo o latim e o grego. Daí nas férias, nos horários de folga, eu estudando. Quando fui pra Vila Ipê, eu sempre tirei primeiros lugares tanto no grego quanto no latim , porque eu ficava com medo dos outros, que  tinham  anos de latim.  Daí eu estudei feito burro. Não, não era tanta coisa. Era bem simples. Eu estudava tudo por aquelas palavras memonotécnicas, sabe?
           
Quem pensa que a religião iguala o pensamento se engana ,a divisão ideológica entre os sacerdotes é igual aos demais homens.Ela estava presente também  nos seminários.Como lembra Rovilio
 havia  muitas correntes entre os professores. Dentro da província tinha os Cabernários, que eram os tradicionalistas. E nós fomos pra Viamão e fomos caracterizados como os Tupamaros. Então nós éramos o grupo dos Tupamaros. E daí eu vim aí no convento e disse: Bá, aqui vai ser um desgaste federal. Não interessa nada ficar aí. Uma discussão de balelas. O que interessa é estudar e ter uma linha de trabalho como eu tinha no seminário. No seminário era estudo, liberdade, iniciativa, criação etc Tinha lido na época o... O poeta Fernando Pessoa, que diz: “Não é necessário viver, é necessário criar”. Então, na criatividade... quer dizer, tu vai estudar pelo gosto, criando, fazendo inovações etc. E daí então, vindo aqui pro teologado, tinha professores... (...)Tinha o diretor que foi comigo, que é o Pagno (ainda vive lá em Campestre da Serra acho, até publiquei um livrinho dele), uma pessoa muito boa, mas os alunos não queriam porque ele era do grupo dos Cabernários. E ele representava a Província . Enfim: os tradicionais e os progressistas.  .
            A vida de professor de Rovilio  foi  estranha  e muito criativa. Foi professor de muitas disciplinas em vários tempos , de biologia, de matemática , de grego ,de latim de psicologia ,dificil até de citar. Alguns exemplos de como ensinar biologia e matemática que se parecem com sua forma de fazer história , foram  decalcadas na realidade e não apenas  em modelos teóricos.
E daí quando vim a ser professor do seminário de Ipê, quem era professor de botânica era o Dom Orlando(Dotti) , o bispo de Vacaria. . E naquele ano ele foi pros Estados Unidos, estudar inglês, coisas ali... e sobrou todas as matérias dele pra mim. Mas a tal da botânica, como não tinha ninguém lá pra dar a tal da botânica, eu disse “deixa prá mim que eu vou”.  É, então eu peguei comecei a ler um livro achei que era fácil sabe começa aquela coisa caótica de célula, núcleo, não sei o quê... eu disse “isso aqui antes de eu dominar vai ser brabo. Ainda mais de dar aula...” Aí fui passando o livro, vi lá na frente que falava de árvores etc., nesse meio tempo eu tinha amizade com um tal de Alceu Barbedo, que antigamente trabalhava no ministério. Ele mandou lá pro seminário um pacote de livros, e tinha dentro uma botânica publicada pelo INEP (acho que era na época...) com as plantas em cores. Imagina. Daí olhei aquelas plantas, tinha poucas conhecidas. Eram plantas meia nobres sabe? Não era guaviroba, pitangueira...  Aquelas que tinha ali. Daí eu disse que como tem as nossas aqui tem também outras, Daí fui na cidade e peguei o velho Dengo, o velho Costelatto, Cecatto, o velho Bisotto, peguei uns dez velhos... Levei pro seminário. Distribuí um grupinho de alunos cada um, mandei pro bosque classificar plantas. Trazer o nome que os velhos diziam, amostra, flor, folhas, se tivesse um galhinho plantar... Depois a partir daí mandei procurar o nome científico, com dicionários etc. E com aquele livro, então dava pra identificar o nome. Daí então nós contamos a história do Lineu, a classificação das plantas, tudo isso ali. Os alunos adoraram! Depois achei livros da  (...) da unidade.
                                                     ...Eu queria que não fosse nada de perder tempo. Eu vou dar matemática no lugar dele. Fui lá dar matemática e eu sabia que ele dava isso aí porque eu escutei. Eu estava meio contíguo, às vezes ia classificar plantas, e era na sala adiante, e se ouvia. E a gurizada, era um inferno, sempre martirizados com aquela aula de matemática. Eu fui lá ensinar o método da unidade.. Daí eu tive que ... explicar  pra eles , como funcionava. Porque quando vinha tempo, que era o problema, né? Se o aluno é ingênuo, com oito operários... Se um livro custa dez pilas, outro livro custa dez vezes mais. Se com um operário faço uma taipa de dez metros em tantos dias, com oito operários eu levo oito vezes menos, e não oito mais. Então só ali que tinha a diferença.”

            O trabalho de Rovilio enquanto sacerdote e missionario  foi grande e atribulado  ,perguntado porque não foi estudar na Europa como seus colegas  , Ele respondeu que
 Eu queria ser missionário. Depois fui pro seminário e gostei daquilo lá. Comecei a trabalhar com agricultores, fundei sindicato de trabalhadores... Era Frente Agrária Gaúcha(, FAG). É isso, a FAG.7. O  Galiotto, concomitantemente. Ele trabalhava em Antônio Prado e eu em  Ipê. Ele fundou a de Antônio Prado e eu o do Ipê. Antônio Prado e Ipê foram os dois primeiros sindicatos criados no   estado, O do Ipê é o primeiro fora da sede de município, que tinha uma lei que tinha que ser em sede de município. E nós fizemos um progresso enorme com o sindicato pelo seguinte: porque os empregadores rurais não tinham um sindicato. E eles descontavam imposto sindical. E descontavam na nossa folha e nós ficavamos  com o dinheiro. Daí compramos gabinete dentário, casa, um monte de coisas.. Era uma política da Igreja Pra evitar que... Isso, que o colono caísse nas mãos do socialismo.Ao mesmo tempo era um trabalho meio revolucionário. Era revolucionário porque tinha como objetivo o cooperativismo. Quer dizer, não era tão conservador quanto à primeira vista parece. A gente nem ligava o socialismo, nada. Talvez a Igreja tinha essa mentalidade...
            Sobre o tema religião, Rovilio pouco ou nada falou. Sua religião parece ter sido a  da ação ,nos sindicatos no presidio de Charqueadas . Ela está amarrada na prática da verdadeira missão da caridade. Mais um prova da prática  que guiou sua vida, diz ele
Eu partia do seguinte: você quer ser padre? Tem que fazer Teologia. É... quer orientação? Olha  a Biblia Outro então é... pegava a bibliografia.. Vai fazer uma pastoral em cima, do sacramento do batismo vai dizer: o batismo é ministro do sacramento matéria e forma, vai fazer o que? Falar do batismo isso aí pro povo? Vai ser o caos, né?  Então, Tinha a unidade do sacramento. Se vocês vão no número 265, na tabela, naquele CDU que é a Classificação Decimal Universal, na biblioteca fui eu classificar lá em cima, e tem o geral sobre os sacramentos. 265, um, dois, três, quatro, até sete, tem cada um dos sacramentos na ordem: batismo, crisma etc. Tem uma semana, vocês vão lá ler pedaços de livro, desse ou daquele, cada um escolhe três autores, que vai querer estudar, e me apresenta quais são. Podem ser os mesmos, daí a gente adquire mais livros. E se eu vejo que são válidos, senão eu vou dizer um que necessariamente tem que estudar,não é? 
De tanto trabalhar o coração de Rovilio falhou. Foi o excesso de trabalho que ocasionou o enfarte aos quarenta anos,como falou 
Então tinha os padres que tinha que reunir na primeira sexta-feira do mês eu reunia de manhã então eles batiam um papo uma coisas... E trabalhava, era agente penitenciário do Jacuí, que era coordenação de grupos, o presídio aberto de Mariante, que eu fiz o estatuto, fizemos o supletivo lá dentro no presídio, e eu vinha e ia de lancha. Porque daí eu aproveitava estudar, etc. E nesse vai e vem eu tive um infarte na época. E eu cheguei de noite, ali pelas 6 horas, por ali, fui tomar banho e fiquei... Caí ali no quarto e me encontraram no dia seguinte às quatro da tarde. Porque eu tinha um depósito de balança, selos, coisas pra imprensa, e um dos rapazes foi no meu quarto buscar os selos e me encontrou. Senão eu estaria lá ainda hoje. Daí eu fiquei paralisado a mão esquerda, e isso foi... Sim, eu sabia que estava lá, mas não falava nada, não... Daí então eu fiquei uns dois, três meses de cama. E ali comecei a escrever aquela psicologia da fraternidade religiosa, esses textos ali.

A escolha do curso de mestrado está ligado ao enfarte, e a  sua fraqueza dele decorrente, ele mesmo conta :
 E o Serviço Social tinha que andar um monte, e eu não tinha como caminhar. Caminhava mal e mal.Então não dava. Daí fui para psicologia, fui pra ver, mas tinha também estágios, tinha que ir na Melanie  Klein  lá onde eu já tinha feito estágio na época de Viamão... Eu fiz todo o meu estágio na Melanie  lá em São Pedro. E também tinha que caminhar. Daí tinha esse curso de psicologia na UFRGS, daí eu fui ver, não tinha que caminhar nada, mas não interessava muito. Era uma psicologia experimental, na época condutivismo, aquelas experiências todas, depois tinha a psicologia educacional, então tinha que entrar pela educação. Daí entrei pela educação. Até mais do que se fosse a clínica, porque aquela teria xafurdado, bitolado um monte, não é? Daí depois nasceu lá a cadeira de teorias da personalidade, e ninguém queria dar porque não tinha nenhum da psicologia clínica pra dar isso aí, não é? Então eu digo: “deixa pra mim”.  Daí eu peguei as teorias da personalidade.
É interessante  observar  como ele detestava história .A antropologia sim o entusiasmava:
      História, eu tenho uma raiva de história..Porque tinha um professor de história. Era o Fulgêncio Caron... Então ele vinha: “descobrimento do Brasil...”: No seminário . E aquela história... E falava, falava, contava... E tinha o livro, e você não sabia... Mas eu tinha um pânico de exames de história, era a única coisa que eu tinha medo. E no segundo ginasial tinha história universal . Ele é padre ainda hoje. Muito bom polaco. Esse é um dos únicos polacos que eu conheci. Então ele vivia lendo livros, contando histórias... E tínhamos o programa pra desenvolver, mas ele não desenvolveu programa nenhum, e nós sempre elogiávamos ele. Quando tinha história... Saíamos pro recreio, todo mundo querendo continuar as histórias. Então ele ficou indo com as histórias, e para o exame, tinha que prestar exame oral, então ele distribuía um pedacinho cada um. Então todo mundo tinha o seu pedacinho. “Eu vou interrogar você nesse pedacinho.” Tudo marcadinho. Todo mundo sabia de cor e salteado. Ele ficou elogiado o melhor professor, todo mundo sabia...  Daí então, história eu não estudei com ele. Não estudei com o anterior.
Então ficou aquele espectro da história, mas eu gostava das histórias contadas pelo pessoal. Sempre admirei os caras que sabiam história porque achava que isso era uma coisa inalcansável pra mim, Admirava que soubesse datas, nome de imperadores, Napoleão... Daí então, quando fui pra Vila Ipê em 1962; Eu peguei e comecei a me interessar pelo... eu era diretor espiritual,. Então  como diretor espiritual não podia ir no trabalho com a gurizada .A gente ia nos recreios sim, mas nos esportes, coisa e tal...Pra não constranger, às vezes... E também tu não ia falar com esse ou com aquele,  se eles vinham falar, tudo bem. E então de tarde eu ia fazer a correspondência, buscar correspondência no correio, visitar algum doente, e a rapaziada ia trabalhar (das quatro até as seis).
E eu sempre passava ali no Clube Ideal lá na Vila Ipê, então nesse clube tinha sempre os velhos jogando baralho. Eu ia lá, fazia algum desaforo, levava o chapéu de um, tirava... E daí veio a experiência aquela da botânica,  dos velhos que sabiam botânica, e também quando eles vinham dar aula de botânica eles contavam histórias. “Que uma vez, por engano, eles pegaram essa erva, que é parecida com essa, fez um chá... A nona fez um chá. Deu não sei o que... E que essa erva não presta, tal”. Daí eu disse que se eles sabem essas histórias, eles sabem muitas outras.
 Daí fui começar a fazer histórias. Cada velho contava história do que recordava dos avós deles, como é que começaram, como é que namoraram, o que comiam, como eram as festas... E escrevi, não tinha gravador, né? Então escrevia..: Em Ipê. E fazia o cara repetir, anotava frases em dialeto, mas fundamentalmente fazia em português com frases em dialeto. Fiz umas sessenta, setenta histórias, para publicar no jornal. Mas eu quis fazer . E fazia o cara repetir, anotava frases em dialeto, mas fundamentalmente fazia em português com frases em dialeto. Fiz umas sessenta, setenta histórias, para publicar no jornal. Mas eu quis fazer : Mais outras. Daí o Colombo era... Lá  Lá no Correio Riograndense. . O Colombo recebeu, com fotos também (a gente tinha colhido fotos), depois de um tempo perguntei pra ele e “bah!”, disse, “até nem sei aonde foram parar... Acho que numa limpeza elas foram postas fora”. Botou fora as minhas histórias, botou fora as fotos, mas eu tinha os cadernos de anotações daquilo lá. E com os cadernos de anotações fui reconstituindo algumas aqui em Porto Alegre quando eu vim na Teologia.. E daí eu disse: Mas porque nós não vamos fazer a história da região por meio das histórias dos pioneiros? Primeiro como é que era? Para fazer uma história agradável.  O que que eles contavam? “Mas como fazer?” E disse: “Olha, eu faço um tipo de um questionário, e vou te mandar os alunos pra cá. Daí eu mandei nas férias os teólogos, e pra eles foi uma beleza”... Então iam lá, distribuí eles nas prefeituras, foram vinte e tantos. Distribuídos... A cada prefeitura pegava um ou dois, e levavam onde tinha os velhos pra entrevistar, pra fazer a história dos municípios. Aí no oeste do Paraná. Enquanto isso, alguns que ficaram por aqui que iam se ordenar, eu mandei (o Irineu Costella, os Salame, esses ali...), mandei entrevistar velhos aqui na região onde eles perambulavam . E daí fui fazendo aquele “vidas, costumes e tradições”, depois ampliei para aquele “Assim vivem os italianos”.. E  para aquele concurso de 75 já tinha todo o material em casa ,dos 100 anos de imigração italiana.

Sobre o concurso do centenário
. O Irineu Costella veio pra Porto Alegre  estava ainda nessa pendura. Daí eu disse: “Olha, nós vamos para Piratuba”, que eu estava escrevendo a “Antropologia visual”, “eu vou analisando as fotos, e tu escreve”. Mas era mais uma desculpa pra eu ir batendo um papo com ele. Daí nós fizemos a tal da “Antropologia visual” lá em Piratuba. Depois encheu o saco ficar lá, estava cheio de gente(...). Não tínhamos levado dinheiro nada, daí ele disse: “Porque que vocês não vão no Iguaçu? Nas cataratas do Iguaçu?” Não, pra ir pra lá nós tínhamos dinheiro. Lá que encontrei a mulher do Manfrói, aquela que vinha da França, que estava passeando por ali sozinha. Tinha vindo visitar ele, não sei se tinham se desentendido ou o quê? Daí já que estávamos ali, fomos pra Assunção. Naquele dia tinha eleições em Assunção. E não tinha ônibus. E nós tínhamos saído do hotel e tava sem dinheiro também, né? Porque aquele era caro. Daí nós pedimos pro motorista que nós era assim, assim... que nós íamos a Assunção e perdemos hotel... e agora onde nós vamos ficar? Eu disse “mas não pode transportar porque aqui era só aqueles que trabalhavam nas mesas, tal.... Daí encontramos uma paramos aí. E daí se tratava depois de pagar a pensão, porque nós ficamos uma semana lá. Como? Fomos vender cigarros.

Sobre a parceria com De  Boni
 “Assim vivem os italianos” eu disse: tu escreve os artigos que você quer e eu escrevo aqueles que eu quero. Depois juntamos.  Então foi mais por causa do trabalho dele na universidade?Daí nós fizemos esse “Os italianos no Rio Grande do Sul”. o livro é confuso Por exemplo, as colônias, lá está muito confundido. A criação das colônias... Cada uma. Quando foi criado... o que significava colônia Guaporé?,É na época que entrou italianos, quando começou, etc. Porque é importante inclusive pra esses carlistas que estão fazendo todo esse trabalho de imigrações;
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Sobre a EST
A EST veio do tempo do presídio. Daquele infarte lá nos 70, mais ou menos. Daí eu comecei a escrever na revista Convergência, era... Era uma revista dos religiosos, e como eu estava acamado, não tinha onde ir pra cá e pra lá, o diretor da revista veio lá em casa me visitar e disse: “O senhor tem que escrever um livro, um seriado sobre vida religiosa.” E eu como tinha visto no teologado aquele negócio de correntes disso, de aquilo outro, eu disso: Olha, fiquei pensando, pensando... eu vou escrever uma coisa que seja uma resposta a uma forma de vida sobre uma outra forma de vida boba, apenas jurídica... Bom hoje eu ouvi do cara que eu pedi... “Não, mas juridicamente lê pertenceu a não sei o quê.” Eu disse: eu não to perguntando juridicamente, to perguntando afetivamente, pelo trabalho dele, pelo que tu conhece, que que era a pessoa, e não a que que ela pertencia juridicamente... Isso não me interessa.” Então eu escrevi sobre fraternidade religiosa, e publiquei todos esses tais de artigos, e quando terminou esses artigos eu decidi fazer um livrinho, porque tinha muita procura esses tais artigos. Eu só tinha uma revista, convidavam pra fazer palestras. E não era a minha área, até não gostava muito disso aí porque eu tava preocupado com a agricultura, com a botânica, com os sindicatos, com os presídios, e com aquelas pequenas histórias que tava começando a fazer. Daí então escrevi isso ali, e nas palestras eu ia porque geralmente era um grupo de irmãs etc. E daí eu estava chateado de ir fazer palestras porque logo que fiquei padre o superior mandou pregar um retiro. E ali no São Luis. Eu digo: um retiro pra mim? Manda um... “Não”, disse, “o senhor prega bem, o padre lá da Auxiliadora me disse que gostou muito do mês de maio”. Daí eu calculei, eu vou falar sobre o que? Sobre vida religiosa,  a primeira coisa... mas também não sabia o que elas pensam. Fui lá no São Luis, e eu burro, nem perguntei que população era. Quando cheguei lá era tudo freira arcaica velha, com aqueles manto branco, sabe?  Daí eu lancei a primeira pergunta: o que é ser religiosa? E elas podiam bater um papo, e depois a partir daí eu... mais ou menos eu tinha umas idéias, que não eram bem aquelas que eu tinha me passado pelos livros e coisa e tal... Daí ninguém dizia nada e de repente: “Ah, ser religiosa é viver na obediência, não sei o que...” a outra:  “Ser religiosa é ser esposa de Cristo”. Daí eu olhei e disse: Que cara de mau gosto!Sabe que eu disse lá em voz alta, e elas ficaram atentas. Daí eu disse: Pois é, esse seria o pensar do mundo. Nós aqui falaMOS  em esposa de Cristo etc, ele escolheria uma jovem pra constituir uma família, pra... Fui endossando o negócio... Então aí escrevi sobre esse... E com esse livro, depois desses artigos transformados em livro, eu fiz essa tal da EST. Mas antes eu já tinha experiência de editorar livros, porque como era amigo do Leopoldo lá da Sulina, ele me dava os livros de filosofia e de educação pra dar opinião.
     E nesse meio tempo, eu queria publicar o meu livrinho, aquele, então digo: vou publicar o meu livrinho também. Apresentei pra ele e ele disse: “Mas , mas um assunto religioso? Até vai ficar esquerdo porque tem outras Paulinas...” Ele era maçom, o Leopoldo. E foi por ele que eu comecei a participar da maçonaria. Ele sempre me levava nas reuniões. Eu de batina nem pensava naquela que iria participar das sessões da maçonaria... E daí eu disse: Fazemos assim. O senhor edita meu livro,e eu acho que vai vender, porque meus artigos tinham uma procura assim... Se não vender eu pago a edição. Se vender o primeiro dinheiro é pra pagar a edição, o resto fica metade cada um se der lucro. Daí com aquele livro fiz um segundo ,porque eu fui continuando os artigos e produzi outros. Então fora dois livros sobre vida religiosa.  “Psicologia da fraternidade religiosa”.   E ali o livro ficou pronto em 31 de janeiro de 73,  foi o primeiro livro da edições EST e meu. Os outros... quer dizer, o primeiro livro próprio. da EST. Os outros levavam o nome da Sulina, por exemplo, e era  eu que pagava porque tinha que garantir, por exemplo, do... tinha uns livros religiosos de outros autores, mas que eram frades. Eu interessava publicar então eu garantia economicamente para poder usar o nome dele. E depois se tornava meio difícil porque demorava, tinha que passar pelo conselho editorial dele. Daí eu comecei a editar por conta e botava distribuidora Sulina. Até que depois morreu o Leopoldo, no cofre tinha todas as notas, e eu estava devendo todas elas. Porque eu pagava a ele e não ali... e as notas ficavam no cofre e ninguém sabia da história minha e do Leopoldo. Ficava lá simplesmente pra guardar. Era um tipo de negócio diferente, né? Daí eu expliquei pro filho dele: “Olha, eu paguei todas pro Seu Leopoldo. Nós fazíamos assim, assim... Até ele me prestava contas de livros por um  mal entendido  de direitos autorais. Como é que ele me pagaria os direitos autorais se eu não tivesse pago a edição?  daí a EST começou a funcionar aonde eu estava , o que funcionava era uma Olivetti 22, eu que corrigia fazia fazia tudo. Praticamente até hoje.A EST  começou publicando textos religiosos. Depois publicou capuchinhos assim, que era... mas a Sulina assumiu esses...... Mas ela editorava tudo, aprovado por eles. Só ninguém sabia que tinha sido eu a encaminhar, e como o dono entregava lá eles faziam  E  daí depois eu fui fazendo porque queria publicar coisas mais simples... Por exemplo o Nanetto Pipetta, no 75 eu queria publicar o Nanetto Pipetta e daí diz ele: “mas isso não vai vender”. Claro que vai vender. Daí fizemos a experiência do... Andamos por Caxias seiscentas ofertas do Nanetto Pippetta, vendeu quase duzentos livros. Pegamos toda a rua Júlio de Castilhos... Pegamos por ruas, né? Daí a Sulina fez um volante, daí o volante também ia a correspondência e eu disse se não tiver resultado nós pagamos. E o Nanetto vendeu duas, três edições. E tem muita coisa primária que eu mandei lá, que eles não sei se classificaram ou estão classificando lá. Até tem uma estagiária bastante boa, parece. E tinha revistas que eu entendia, por exemplo, essas revistas que eu completei lá em. E eu fui mandando número a número que eu fui coletando, e agora aqui em cima, provavelmente com a sobra da instalação da biblioteca queria completar ela, né? Então a... “Ah, porque isso ali é religião, isso aqui é jornal...” Então, bom, digo: o que é jornal mandou pro Hipólito da Costa pra mim, estou satisfeito.

O acervo da etnias nasceu com a EST
E nesse meio tempo nasceu a idéia de fazer o ACERVO DAS ETNIAS e religiões. Então essas revistas já estão todas no Museu Antropológico. Todas as caixas aqui embaixo são livros de religião, aquela enciclopédia grande ali é uma enciclopédia católica italiana, que vai lá pra esse acervo.
                                                                                                                             Eu quero reunir umas vinte mil obras de religião, vou comprar nos sebos Eu tinha já um                               acervo grande e mandei pro seminário de São Paulo. Tinha por exemplo todas as obras que se publicou sobre  Alan Kardec. Ou dele ou sobre ele significativamente feito estudo.