quarta-feira, 31 de agosto de 2011

CASAS DE CAXIAS


Quando em 1924, o intendente Peninha (assim chamado por  baixinho e agitado) proibiu a construção de casas de madeira no centro urbano de Caxias por causa dos incêndios, parece que ninguém deu muita importância. Os fiscais da Intendência  inexistiam ,bem como  o interesse em obedecer  as leis,quanto mais os códigos  municipais.
 Na rua Dr. Montaury quase na esquina com a Os 18 de Forte existiam casas de madeira de quatro pavimentos, ainda na década de1950. Essas  casas pertenciam ao advogado prático Alexandre Ramos, e, no porão viviam   parte de seus parentes pobres,entre os quais Nelo Ramos ,vindos dos Campos de Cima da Serra .

Foto reproduzida do livro deJS Adami .

No inicio da construção da cidade era mais barato construir casas de madeira. As serrarias abundavam ao contrário das  olarias ,que ficavam nos vales .Apenas os grandes comerciantes podiam construir suas casas de negócio em alvenaria Uma das primeiras  casas de alvenaria do centro  da Vila de Santa Tereza,(esse foi o nome da área urbana do município) foi a casa de negócio  de Batista  Serafini .Situava-se na esquina da rua Sinimbu com a Dr. Montaury. A data em seu frontão era 1890.
 Durante muitos anos a casa teve funções variadas. Foi residência da família do proprietário no primeiro pavimento ,e, anos mais tarde  pensão familiar.No final  da década de quarenta durante alguns anos nele funcionou  uma loja chamada A Realidade .Seu proprietário  Valentin Grimberg, foi um dos poucos judeus que se estabeleceram na antiga colônia ao contrário dos árabes que vieram cedo e aqui permaneceram. .No inicio da década de cinqüenta a família  mudou-se para Porto Alegre.  

Casa Serafini pouco antes da demolição1978
.Foto  deLuís Antônio Giron
  Uma das casas de alvenaria que resistiu ao tempo  o Serafini  .Comprado pelo prefeito Mario Bernardino Ramos ,que passada a euforia da comemoração do centenário da imigração italiana (1875) derrubou a casa  e construiu  um edifício.Foi um dos últimos marcos da antiga Caxias a ser destruído.


Detalhe da porta
Até o final da década 1970  continuavam a existir  inúmeras casas de madeira na avenida Júlio de Castilhos e na então  Praça Ruy Barbosa.(hoje Dante Alighieri) .As velhas casas datavam do final do século XIX. Uma das casas de madeira que mais resistiu ao tempo foi o Armazem do Povo,Cahamado pela população de Mercadinho do Povo.Velha casa de madeira que aparece nas primeiras fotos da Vila ,funcionou até a década de setenta. Então   era de propriedade da família Santini.Vendia  doces, balas, frutas secas ,uma espécie de casa de especialidade ,como tantas outras no centro . A casa estava ao lado da Casa Uruguai ,(uma das poucas casas antigas que ainda resiste  a demolição)  e seu interior lembrava as velhas casas de negócio,com balcão de madeira , sobre o qual ficavam os bojões de vidro .TInha ainda velhas tulhas de madeira onde eram guardados os grãos.



Armazém do Povo.
Fotos de Luís Antônio Giron1978  
Casa Serafini em 1917. foi hotel
Quando foram tiradas  as fotos não foi permitido que se fotografa-se  o interior do armazém.
Não estaria na hora de escrever a história das construções de Caxias?

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

AS CASAS TÊM HISTÓRIAS (2)



Um cortile na atualidade.
Situado próximo de Pedavena .Itália
 Aqueles que não conhecem a Itália do Norte ,em sua zona  rural podem imaginar que a  região colonial italiana do Rio Grande do Sul   seja uma  cópia. Ao contrário,  nada é  mais diverso. Começa com a paisagem. A paisagem pré alpina e  alpina é inigualável. Dura,majestosa e distante lembra um  cartão postal lunar. O viajante  se sente  aplastado  pela sua beleza e  agressividade.Nada parecido com a amena  paisagem da  Serra cujos vales e matas  são  próximos e  agrestes.
     As diferenças não se restringem às paisagens. Elas se repetem nas pequenas vilas e cidades e ainda nas casas e  construções.As povoações povoadas por camponeses italianos  constituem um  habitat aglomerado ,onde os campos lavrados cercam as povoações  que se estendem   ao longo das estradas ,em  ocupação histórica .Resultam das relações  engendradas entre servos da terra e seus senhores ( que os imigrantes chamavam de condes) Dada sua condição servil  viviam próximos ,suas casas eram  encostadas umas nas  outras. Na região de Feltre e no Val Belluna  há um tipo de construção original  chamado de cortile  (ou cortivo).Os cortile reuniam  famílias extensas,avós, pais, filhos e netos vivendo juntos no mesmo lugar.Cada grupo nuclear de familia ocupava  uma só peça. Cada comodo tinha  uma porta que dva  acesso a   escadas externas. A longa  construção de alvenaria de um  a três  pavimentos  tinha  apenas uma cozinha, comum a todos os membros do cortile. Na cozinha comum, em   seu grande larin(lareira ) as mulheres da família extensa disputavam  o lugar hegemônico  .Nada mais sério  do que a disputa pelo poder na cozinha.Dele depende a melhor alimentação dos próprios  filhos e o controle dos gastos .O treinamento das noras se dava na cozinha com receitas e modos de preparar os alimentos.A entrada de um novo membro da família era assim um exercício de dominação e de subordinação. A terra era pouca, a comida escassa e o espaço ínfimo. Animais e homens disputavam o calor da cozinha,ou ,pior ainda  se aqueciam apenascom o calor dos  animais.
No Brasil, nas colônias da Serra   outra era a situação. As casas  em seu habitat disperso tinham espaço, as terras eram do tamanho dos condados italianos  e o domínio  da sogra limitava-se a um curto período de convivência comum,nos primeiros meses de casados.O confinamento acabara, e, cada família poderia   ter  sua própria  casa e fogão.O fogão no período imperial era tão importante que o imposto sobre a propriedade era calculado pelo número de fogoões existentes na propriedade .Era o chamado imposto focolar.  Para algumas noras o tempo de convivência com as sogras  era maior.O filho escolhido para dar  assistência aos pais idosos ficava morando com eles até a sua morte, quando,  em compensação herdaria a terra .As casas com seus porões frescos e amplos garantiam alimentação. Até os animais domésticos passaram a ter melhores acomodações. A simbiose entre  homens e animais definitivamente acabara .
Hoje os cortile na Itália servem de residências, restaurantes de luxo e  pousadas.Os tempos são outros e outros são os usos das casas Na Europa as coisas antigas são respeitadas e valorizadas .Já na colônia atual as casas antigas viram estábulo ,silo ou depósito de trastes velhos. Destruidas as casas antigas são construídas réplicas novinhas para representar as casas destruídas.Infelizmente ,O simulacro nunca poderá substituir o real.


Arsié .Italia .1965
 



As imagens   usadas no texto são do livro Coscienza e conoscenza dell’habitare ieri e domani organizado por Daniela Perco e outros Publicação da Província de Belluno s/d.



 




  


Desenho de Corrado Bosco, 1963.Cortile em Arsié


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

AS CASAS TÊM HISTÓRIA



Casa de negócio De Lazzer, inicio do século XX

Os homens têm uma ideia estranha sobre a história. Durante séculos encheram suas cabeças de nomes e datas de personagens pífios e descartáveis. Durante séculos, falaram de reis e guerreiros que nada mais eram que serial killers. Assim os homens passaram a detestar a história, pois não passava de uma forma de culto ao poder. Então veio Karl Marx, e a história virou de cabeça para baixo os homens são o que produzem. Mais tarde apareceu Michel Foucault, e, curiosamente, mais uma vez os historiadores enlouqueceram. Depois os renovadores tornaram a história um reles discurso literário. Como dizia há milênios Aristóteles a história virou arte menor.
Contudo, a história não se compõe apenas de historiadores. Eles detêm apenas o discurso dominante na academia, como alerta Foucault. A história é maior do que seus escrevinhadores: a história somos todos nós. Homens que nascemos crescemos, morremos e cumprimos uma forma de história pessoal. A história está nos objetos, nas obras de arte, nas construções que são todas elas frutos de uma época. Assim como os homens cada casa tem uma forma de história única e intransferível. Em outras palavras, a história está em nós e no mundo que nos cerca. A história está no real. Como dizia o Mestre  Hegel, “só o real é racional” - o resto é o resto. O resto é discurso.
As casas de madeira da chamada colônia Italiana tem uma história. Com seus porões de pedra, onde se fazia o alimento vinho, salame, queijo e neles eram depositados, silos improvisados onde ficavam as pipas, as “moscarolas“ (armário para guardar salames) e os tonéis e vidros cheios de banha onde eram conservadas as carnes de animais abatidos. Em tempos sem eletricidade e sem freezer a subsistência tinha outro modo de ser. Essa é a história real das casas, das pessoas que nelas viveram, das coisas que foram produzidas, dos restos que sobraram de uma fase.
Mas a história não está apenas nas antigas casas. E está também nas fábricas abandonadas, nas casas de negócio, nas igrejas, nas capelas e escolas. Está presente ainda  em todos espaços públicos estádios, campos, praças e jardins. Enfim, está em cada lugar que passamos: nas ruas e nas calçadas. Basta olhar em redor e buscar as fontes e escrever. A história do mundo que nos cerca pede para ser escrita. 

Propriedade rural em São Vigilio, Caxias do Sul
 

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

CIDADES DE MADEIRA X CIDADES DE PEDRA

 


Caxias em 1940. Quadro de Bedin que retrata  a casa onde iniciou a oficina  a Eberle
    
No inicio da colônia Caxias as casas foram construídas em madeira. O mesmo fato se repete nas colônias de Antônio Prado e de Alfredo Chaves. Em Dona Isabel, Bento Gonçalves e Conde D'Eu (Garibaldi) a construção de alvenaria e de pedras foi a escolha, pois, nesta região as araucárias eram a são  raras. A causa da diferença é a altitude, os dois municipios estão abaixo  da cota  de 600 metros, onde as pinheiros não vicejam.
Caxias era feita de tábuas falquejadas e sem pintura. Como as antigas cidades do Far West norte americano, como se fossem alojamentos provisórios  as casa se espraiavam pela estrada Conselheiro Dantas  que cortava a sede da Colônia. Só  mais tarde foi se tornando rua  e hoje é a  avenida Júlio de Castilhos. Poucas das antigas casas de madeira sobraram. Sua construção foi proibida pelo intendente Penna de Morais (1912-1924), pois muitos eram os incêndios. Uma das casas mais antigas feitas em madeira ainda sobrevive até o hoje, reconstruída nos altos da antiga metalúrgica Abramo Eberle (hoje FAI) próxima da esquina das ruas  Marquês do Herval e Sinimbu. A pequena casa abrigou de 1884 até 1940 a empresa que então chegou a possuir  50% da mão-de-obra da região, tornando-se  a maior industria metalúrgica da América Latina. Em 1945 morreu Abramo Eberle, símbolo do sucesso e reforço para o mito de que o trabalho enriquece, que norteia os colonos. Com a construção do novo prédio da Metralúrgica a pequena oficina foi desmontada em 1941. Em 1946 foi reconstruída , como uma homenagem ao fundador seu  .Até hoje está encarapitada  sobre o prédio da Metalúrgica onde jaz o mito da cidade. Esquecido pela maioria, da população ,aponta  para o fato que os poderosos são tragados  pelo tempo, e que o poder muda de mãos.
Hoje  as casas de madeira que marcaram o desenho da região foram substituidas  por outros materiais que  enfeiam seu horizonte.Como mudaram os materiais mudaram tambémos donos do poder .Outros são  os donos do mito que o trabalho enriquece
Ao contrário das casas de madeira d antiga colônia Caxias , as de pedra   estão firmes  vencendo o tempo e alavancando o turismo de Bento Gonçalves.


Imagem de Nova Trento, atual Flores da Cunha, quando feita em madeira inicio do século XX


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

CEMITÉRIOS E A SEPARAÇÃO DOS MORTOS

Ao longo da história, obviamente, todos os povos tem seus mortos.Cada um deles tem sua forma particular de enterra-los. As necrópoles dos romanos situavam-se ao longo dos caminhos ou em subterrâneos (catacumbas). Os cristãos usaram as mesmas catacumbas dos romanos. Mais tarde, enterraram seus mortos dentro das igrejas. ocasionando um sério problema sanitário.As irmandades se formaram para garantir  um lugar para enterrar seus  mortos.Foi essa também a origem das capelas da região colonial italiana do Rio Grande do Sul.
A palavra  "cemitério" (apesar de ser mais antigo o costume de enterrar os mortos próximos das igrejas)  tem sua origem no século XIII. Seu significado é de "dormitório" (do grego κοιμητήριον ) ou "lugar de detritos". Os cemitérios modernos se iniciaram no século XVII, pois as igrejas se tornaram insuficientes para tantos sepultamentos..
No Brasil como em Portugal eles estiveram sob o controle da Igreja Católica do século XIV ao XIX. Os padres eram os tabeliães de então: faziam os  regisros de nascimento e de óbito. Os defuntos, para serem  enterrados no campo santo, deveriam ser católicos.
Foi a  partir da dominação da Igreja  que se originou  o costume de enterrar os não católicos (e os pecadores) fora do campo bento. Crianças não batizadas, (que outrora iam para o limbo), suicidas e protestantes (de todos os cultos) eram enterrados fora de seus muros..Os cemitérios de Caxias do Sul e de seus distritos mantiveram esse costume .Com o a advento da República, em 1889, os cemitérios deixaram de ser da Igreja passando para os municípios. O cemitério Público Municipal de Caxias foi inaugurado em 1903 (e não em 1911 como informa erroneamente o site da Prefeitura). Mas  o antigo hábito de excluir não católicos foi mantido por muito mais tempo. Nele, até a década de 1940  as crianças mortas sem batismo e suicidas eram enterrados nos fundos do cemitério, no seu extremo Oeste.
Um dos lugares onde a separação entre católicos e não católicos se manteve por mais tempo foi no Distrito de Nova Vicenza, atual município de Farroupilha. Os católicos eram enterrados à direita e os  protestantes e não batizados, à esquerda da sua entrada. Até hoje existem duas entradas, e duas escadas de acesso para oc cemitériuo .Esses dois acessos são os restos da antiga separação entre catóilicos não católicos. A cerca dividindo os mortos  durou até a década de 1960.
A história dos cemitérios  da região ainda está para ser escrita.


Túmulos do cemitério de Farroupilha que outrora  estavam fora do "campo santo": espaço para suicidas, não batizdos e não católicos








Cemitério de Farroupilha com suas duas entradas, uma para católicos e outra para os não católicos