Kenia M. M. Pozenato
Loraine Slomp Giron
O projeto Cinemas na Região Colonial Italiana do Rio Grande do Sul: 1900 - 2000
ligados ao Projeto 100 Anos de
Comunicação, pesquisou a história da Região a partir do levantamento dos
cinemas que existiram e dos que ainda existem até a atualidade, tendo sido
realizado o registro histórico e iconográfico de cada uma das casas de
espetáculo encontradas, através de entrevistas e de fontes documentais.
Foi verificada a existência de
cinemas nos municípios de Caxias do Sul, Flores da Cunha, Farroupilha, São
Marcos, Bento Gonçalves, Santa Teresa, Monte Belo do Sul, Garibaldi, Carlos
Barbosa, Salvador do Sul, Coronel Pilar, Antônio Prado, Nova Roma do Sul, Nova
Pádua, Ipê, Veranópolis, Nova Prata, Vila Flores, mas poucos desses municípios
possuíram casas de espetáculos no período analisado. Não foram encontrados
testemunhos do período inicial em várias das cidades estudadas.
A presente comunicação tem como
objetivo apresentar os primeiros cinemas locais, nos tempo inicial da
introdução da Sétima Arte na Região. As histórias aqui descritas estão baseadas
nas memórias dos moradores mais antigos e em fontes documentais, as quais, por
sinal, são irrisórias, quase inexistentes. As memórias mais antigas referem-se
aos cinemas de Caxias, Antônio Prado, Bento Gonçalves e Flores da Cunha (Nova
Trento).
EM CAXIAS
O cinema em Caxias
começa com o Teatro Velho, que funcionou no final do século XIX e início do XX,
na esquina das ruas Visconde de Pelotas e Os Dezoito do Forte, onde hoje
funciona o Donna Shopping. No início,
estava instalado num prédio de madeira, tendo mais tarde sido reconstruído em
alvenaria, com camarotes e balcões. O palco do Teatro Velho foi decorado pelo
artista plástico Pietro Stangherlini.
As notícias e as
lembranças sobre o Teatro Velho são poucas. Recebeu este nome porque, no
início, servia como casa de espetáculos teatrais, onde artistas caxienses e de
outros lugares apresentavam números artísticos. Eram artistas amadores que
cultivavam as artes cênicas, como Olympio e Maria Emilia Rosa, e Corina
Stangherlini. Os espetáculos, tanto musicais como teatrais, eram montados e
apresentados para o público local.
Nos primeiros tempos
as máquinas de projeção eram transportadas de um lugar para outro no lombo de
mulas, e os espetáculos cinematográficos eram apresentados em várias cidades,
sempre em locais que abrigassem grande número espectadores. Em Caxias, o Teatro
Velho era o local apropriado para passar as fitas de cinema. Músicos locais
eram contratados para animar a apresentação dos filmes mudos e a população
acorria em peso às apresentações. Eram dias de festa e animação para a então
pequena Vila. As primeiras apresentações cinematográficas vinham sempre de
fora, dependiam do cinema ambulante, de pessoas que traziam e projetavam os
filmes, cobrando ingressos. Pagavam algum aluguel pela sala e logo iam embora.
Não permaneciam na cidade nem as máquinas, nem os lucros resultantes dos
espetáculos.
A
primeira nota sobre o Teatro de Caxias no jornal aparece em O Cosmopolita de 11 de janeiro 1903. Informa
sobre a realização de um grande concerto vocal e instrumental com os artistas
Sybila Fontoura, Amália Giesen, Virgílio Fontoura, Ítalo, Luiz, Hugo e Ernesto
Bersani. Nesse espetáculo foram apresentadas áreas de óperas, canções italianas
e peças musicais. Na semana seguinte, no dia 18 de janeiro, no mesmo jornal, há
um longo comentário sobre a atuação dos artistas amadores, que, segundo o
articulista, “são péssimos”, nada
mais do que simples diletantes.
Em
1905, O Cosmopolita ( 11 de
março de 1905, p. 2.)
, na coluna
chamada Parte Italiana, informa que o espetáculo cinematográfico foi
suspenso por ter-se estragado o cinematógrafo, o que revela que os espetáculos
eram realizados de forma precária.
Com o passar do tempo, os
cinemas se fixam nas cidades, mas os filmes continuaram a ser transportados em
lombo de mulas. Nessa época, as primeiras máquinas de projeção compradas eram
antigas, de segunda mão. Só bem mais tarde foram comprados modernos
equipamentos de projeção e construídos prédios adequados para espetáculos
cinematográficos.
Os primeiros empresários do setor
cinematográfico de Caxias foram Hermenegildo Burato, João Finco e Pedro Fonini,
que mandaram construir a primeira sala destinada à exibição de filmes: a do
Cinema Juvenil. No início funcionou na sede da Sociedade Caxiense de Mútuo
Socorro Príncipe di Napoli, situada na Rua Garibaldi, entre as ruas Júlio de
Castilhos e Sinimbu. Mais tarde foi transferida para um prédio de madeira,
situado na esquina das ruas Dr. Montaury e Júlio de Castilhos, no lote nº 10 da
quadra 22. Corria então o ano de
1907. Caxias era uma pequena vila e o
transporte ainda era realizado por meio de mulas e carretas. A população do
município era de cerca de 30 mil habitantes, mas na vila viviam apenas 2 mil
habitantes, já que 90% deles ainda viviam na colônia.
O Cinema
Juvenil teve maior duração. Ainda em 13 de dezembro de 1915, anunciava sua
programação no jornal Cidade de Caxias
como se pode ver pela reprodução a seguir:
PROGRAMAÇÃO
PARA AMANHÃ
1° confecção
de um busto, natural, 2º Amor Tardio – Drama, 3° Túlio quer emagrecer - cômica,
4º João O marinheiro enamorado, 5° Sixto Quinto – grandioso e soberbo film histórico
época 1590, 6° Robinetto sua mulher e seu primo ultracômica. Chamamos a atenção
para o filme Sixto Quinto”.
Numa nota apresentada na Seção Livre, o mesmo jornal informa:
Será exibidos no apreciado Cinema Juvenil a
bela fita d’arte grandemente aplaudida em outras localidades; Filme Histórico baseado na França com a
extensão de 500 metros - O processo Dreyfus -. E ainda A Ópera “Norma”
acompanhada pela orquestra do cinema seguido pela fita de atualidade – A
revolta do batalhão naval do Rio de Janeiro.
Nos dois
casos ficam claro que na época a programação era composta por vários filmes de
curta duração em sequencia e que o espetáculo era variado, apresentando
musicais, comédias, dramas, filmes históricos e documentários sobre
acontecimentos nacionais, como o que relata a Revolta da Armada, que aconteceu
no Rio de Janeiro, em 1910.
A importância do cinema não se limitava à apresentação dos
espetáculos e à influência no gosto individual da população, influenciou também
a vida social da pequena cidade. Essas mudanças foram tão importantes que
mereceram até nota no jornal, como a que se pode encontrar na Secção Livre de O Evolucionista, de 07 de fevereiro de 1916, que faz alusão ao surgimento de um novo e
moderno sistema de namoro propiciado pelo cinema, em que os namorados faziam um
prolongado passeio até o bairro de São Pelegrino e depois iam ao cinema,
assistir ao filme. Os namoros, antes restritos às salas das casas de família,
ou às festas religiosas, começam a realizar-se ao ar livre e nas salas de
cinema.
Pouco tempo depois do Juvenil, foi inaugurado
o Cinema América, situado na esquina das ruas Marquês do Herval e Júlio de
Castilhos, onde hoje funciona o Banrisul. A casa era de propriedade de
Francisco Buffardi. Com a inauguração da nova casa de espetáculos, tem início
uma acirrada concorrência entre os proprietários dos dois cinemas. Os proprietários do cinema Juvenil,
para desanimar os do América a prosseguir, faziam distribuição gratuita de
ingressos para os espetáculos cinematográficos. O Cinema América, como revide,
passou a apresentar sessões ao ar "livre", motivo pelo qual a
população de Caxias se aglomerava em frente a uma tela improvisada com um pano
e colocada no corredor que existia entre o cinema e a residência de Ambrósio
Bonalume, onde mais tarde foi construído o Cine Guarany.
O Cinema América fechou, não resistindo à
concorrência. O equipamento foi vendido para José Balen e outros. Foi então aberto o Cinema União em prédio
alugado de Francisco Balen, situado na Rua Júlio de Castilhos, próximo da
esquina com a Alfredo Chaves. Este teve curta duração, sendo posteriormente
vendido a Argeu de Ben, que lhe deu o nome de Cinema Íris. Nem a memória nem as
fontes escritas preservaram a história desta casa de espetáculos. Sobre esses
cinemas restou apenas breve citação do historiador João Spadari Adami (1966,p361)
O Cine Ideal,
aberto a seguir, teve como proprietários Caetano Finco, Raymundo Buratto e
Ludovico Sartori. Funcionava em prédio rústico de madeira, na esquina das ruas
Marquês do Herval e Júlio de Castilhos. O prédio era o mesmo em que haviam
funcionado outros dois cinemas. O Cine Ideal durou mais tempo que os anteriores
e sua programação era anunciada nos jornais locais. No dia 8 de novembro de
1914 era anunciado, no jornal O
Cosmopolita(08 de
novembro de 1914. p.3), o importante
filme Mas... Meu amor não morre, tendo
como protagonista Lydia Borelli. Segundo
este jornal, era o cinema preferido
da cidade.
O jornal A
Encrenca ( dezembro de 1914,
p. 2). apresenta o Cine Ideal como o mais
simpático centro de diversões caxienses, anunciando a projeção dos filmes A Bíblia e O rei de ouro, como dramas de grandes aventuras. Vê-se que os
cinemas ganham espaço nos jornais e que os mesmos provocam novas mudanças de
hábitos entre os caxienses, e anunciadas nos jornais.
O jornal A
Encrenca apresenta pequenas notas
sobre o que acontece nos cinemas da região, chamadas Vida alheia ou Estão dizendo,
notas que trazem informações
interessantes sobre as relações entre as casas de espetáculos e a vida social
da cidade e sobre as péssimas condições da exibição. Segundo o jornal, chegaram
a ocorrer dezesseis interrupções numa única projeção, devido à falta de
habilidade do operador. Em outra nota, encontra-se a alusão a um namoro no interior
da cabine de projeção do cinema, onde
uns "noivinhos" não deram atenção ao filme, "trocando
beijinhos".·.
A coluna Estão dizendo, de 1º de janeiro de
1915, informa que o Cine Ideal é o “paraíso terrestre para conquistar, já que é
ponto delicioso para esse esporte". Outras afirmações revelam mudanças no
namoro, com liberação nos costumes, já que um jornal alerta que as sessões com
fitas duplas "estão prejudicando a zona". Parece que na cidade o
cinema estava intimamente associado ao namoro, tanto entre jovens como entre
viúvos, propiciando "a troca de
namorados". A palavra zona é
uma clara menção à zona do meretrício, que existia em Caxias, naquela época.
O público nem sempre
era grande nas sessões cinematográficas do Ideal, poucas eram as noites de lotação
esgotada apesar da publicidade e dos apelos no jornal. Na coluna Echos da Semana do mesmo periódico é
anunciada a apresentação “dos aplaudidos artistas Max e Suely Giteelmann”, mas uma
crítica assinada por Bacicia A (ENCRENCA,
dezembro de 1914, p. 2)fala da péssima atuação dos diletantes, num drama
apresentado por artistas locais no cinema.
O Cine Ideal continuou por muitos anos; em 1914 era
considerado o mais popular cinema da cidade de Caxias. Sobre ele o jornal O Cosmopolita, em 19 de outubro desse
ano, publicava anúncios onde são elogiadas as condições de ventilação, do
prédio e de ponto esplêndido, exibindo ainda “films d’arte das melhores fábricas”. A Praça Dante Alighieri, onde
funcionava o Cine Ideal, era o ponto mais importante do centro da cidade. Ali
também estavam instalados quiosques comerciais, nos quais era vendido de tudo
um pouco. Além da Igreja Matriz, havia também a Padaria Familiar e o Café
América, sendo que este último dava como referência para sua localização o Cine
Ideal, que ficava ao lado, na Rua Júlio de Castilhos. Próximo ao cinema, na Rua
Marquês do Herval, funcionava o Hotel Globo, onde os visitantes e viajantes
comerciais se hospedavam.
Após o fechamento do
Cine Ideal foi inaugurado, no mesmo prédio, o Cinema Riograndense, de
propriedade de Mário Batista Cristófari. Nesse prédio, situado na Rua Júlio de
Castilhos, próximo à Rua Alfredo Chaves, funcionaram sucessivamente os cinemas
Colyseu, Íris, União e Pathé. Com exceção do Colyseu, todos os demais com pouco
tempo de duração.
O cinema Colyseu foi inaugurado em 6
de fevereiro de 1915. Seus proprietários eram Carlos Balen, Luiz Batastini,
Ernesto Rossi, Ângelo Rech, Luiz C. Timers, Carlos Adami, Adelino Rech e Ângelo
Chiarello. Todos trabalharam no cinema, o primeiro como operador, e os demais
eram componentes da orquestra.
No jornal CITTÀ
di Caxias em 1919 uma coluna intitulada NOTIZIE VARIE: totalmente em
italiano que trata dos espetáculos teatrais aparece
TEATRO JUVENIL
Ormai e cosa certa che
avremo fra noi, la settimana prossima l’eccellente companhia italiana di
operetta: Maresca – ciprandi – Buccini.
Il debutto della compagnia é
stato fissato per martedí prossimo; ignoramo però com quale operetta.
Il «CITTÀ di Caxias»
augura ai distinti artisti lieta permanenza nella perla delle colonie. (sic).( de 16
de novembro de 1919,p. 4)
Hermenegildo Meregalli, com 96 anos
na época da entrevista, ainda que passados tantos anos lembra-se de cenas
divertidas que lá ocorriam, como a de uma freira que subia e descia a escada e
sobre a qual diziam "derramaram leite em cima da cabeça dela. Naquele
tempo, eu tinha 15 anos. Eu me lembro de um filme que passava naquele tempo, de
Rodolfo Valentino".
Lembra também que o Colyseu durante algum
tempo foi o único cinema de Caxias. Isso "foi antes de 1920 e o cinema
ainda era mudo. Então começaram a passar
um filme de bichos e outras coisas, e quando de repente apareceu um papagaio,
lá, que ia descendo: ‘Varda lá o papagaio!’ (Olha o papagaio!, no dialeto da
região), diz o Ulysses (menção ao irmão menor). E todo mundo lá dentro deu uma
risada".
O Colyseu lembra Sylvia Ártico, "tinha
sala de filmagem de luz e sombra. Na plateia havia cadeiras coloniais de palha
e, por serem os filmes mudos, na época, havia uma orquestra composta de 3
violinos, violão, violoncelo, clarinete".
Meregalli lembra ainda que houve grande
publicidade para o lançamento da primeira versão do filme Ben-Hur, sendo realizada até uma parada na Rua Júlio de Castilhos.
Hugo, seu irmão mais novo, desfilou vestido de soldado romano, "com a saia
curta de romano, com as pernas de fora; saia, chapeuzinho e chicote. Desfilou
em cima de uma carroça puxada a cavalo, que corria em disparada". Segundo
Meregalli, muita gente assistiu à parada e gostou, mas Hugo nada recebeu pela
apresentação, apenas a entrada. Este episódio ocorreu no ano de 1925 ou 1926.
A inauguração do Cine
Theatro Apollo, em 1º de janeiro de 1921, com uma ampla sala de projeções,
inicia o período de ouro do cinema em Caxias.
EM ANTÔNIO PRADO
A
história das casas cinematográficas em Antônio Prado inicia em 1912, com o
Cinema Familiar. Em 14 de julho de 1927 foi fundado o Cine Familiar do Clube
Gaúcho. A rivalidade entre os dois cinemas era muito grande e sem complacência,
iniciou com o próprio nome. As sessões eram realizadas exatamente no mesmo
horário, para verificar qual dos dois atraía mais público. Essa rivalidade
chegava a ponto de um dos cinemas roubar os cartazes do outro, conforme lembram
os moradores mais antigos de Antônio Prado.
Muito lembrada m Antônio Prado foi Rosalba Fedumenti
Dotti, professora de música e natural de Caxias, que fazia parte de uma pequena
orquestra, normalmente de quatro ou cinco instrumentos, que acompanhava os
filmes tocando sua trilha musical, cuja partitura acompanhava a fita. Na época
do cinema mudo, os músicos eram figuras importantes para o espetáculo.
Normalmente eram realizadas duas sessões, aos sábados
e domingos. Na projeção trabalhava Paulo Zaniol.
Em 26 de
dezembro de 1928 foi criado o cinema do Clube União, para competir com o do
Clube Gaúcho, e que funcionou até 25 de maio de 1936. Situava-se em frente à
atual sede do Clube União, num prédio construído em madeira de lei, considerado
muito bonito pelos moradores. Infelizmente, segundo depoimentos obtidos, a casa
foi demolida e sua madeira vendida para que o Clube União, com o dinheiro da
venda, pudesse concluir sua sede social.
As
lembranças sobre esses cinemas são esparsas, como as de que suas cadeiras eram
de palha e que nos dois cinemas podiam ser acomodadas de 300 a 350 pessoas.
Havia uma única máquina de projeção e para trocar o rolo do filme havia
intervalos. Quando acendiam as luzes, a plateia aproveitava para conversar. Nos
cinemas eram apresentados também espetáculos teatrais, como os montados pela
família de Pedro e Conceta Ranzolin, que trouxe da Itália o gosto pelo teatro e
montou uma pequena companhia que encenava peças, possuindo seu próprio
guarda-roupa artístico.
No Clube
Gaúcho foi inaugurado em 1927 o Cinema Gaúcho, pertencente à família
Palombini. Da mesma forma que os
anteriores, tinha cadeiras de palha e acomodava entre 300 e 350 pessoas. As
sessões eram realizadas aos sábados e domingos.
É
lembrado pelos entrevistados um episódio triste ligado ao Cinema Gaúcho.
Calvino Palombini, filho do proprietário, era operador do cinema e sofreu um
acidente. Para fazer um conserto, subiu num poste da rede elétrica. Caiu da
escada, bateu com a cabeça e, em consequência da queda, veio a falecer.
EM NOVA TRENTO
Não só em Caxias e em Antônio Prado havia
cinemas no início do século XX. Os principais distritos também possuíam prédios
onde podiam ser apresentados filmes. Claudino Antônio Boscatto
(1984,p.68) lembra que em Nova Trento havia
um prédio de madeira, erguido por volta de 1910, com o aproveitamento da
madeira da antiga Igreja Matriz, demolida para construção da atual. Este local
servia para salão de festas, onde se realizavam bailes, representações teatrais
e projeções de figuras em movimento, com a primitiva lanterna mágica e, mais
tarde, de cinema mudo. Pertencia à Sociedade Pró-Trento. Com a dissolução da
sociedade, no início da década de 40, a Paróquia de São Pedro ficou como única
proprietária do referido prédio e terreno, conforme rezavam os estatutos da
mesma Sociedade.
As projeções de filmes mudos em Nova
Trento começaram em 1920, aproximadamente, com a energia elétrica sendo
fornecida diretamente para o cinema por um pequeno motor de propriedade de
Alexandre Micheletto. Na época, ainda não havia energia elétrica na vila. O
projetor de filmes era manual, e como melhor operador destacou-se Mansueto
Carpeggiani.
Os filmes eram transportados de
Caxias, a cavalo, dentro de pessuelos
- nome dado aos sacos de pano ou couro postos sobre os cavalos - e eram
projetados aos sábados e domingos. A sessão das 20 horas era anunciada com
espocar de foguetes, trinta minutos antes do início. As sessões de domingo, em
matinée, iniciavam às 14 horas.
Uma orquestra acompanhava os filmes
mudos para animar os espetáculos. Formavam essa pequena orquestra a pianista
Lélia Mascarello, a violinista Zaira Mascarello e o clarinetista João Mambrini.
Os entrevistados lembram que músicos e repertório eram muito bons. Muitas
pessoas iam ao cinema mais para ouvir a orquestra do que para ver o filme.
Ao contrário da música, a imagem nem
sempre era clara, pois ficava apagada pela fumaça produzida pelos espectadores,
que podiam fumar à vontade durante a projeção dos filmes. Esse trabalho exigia
muito cuidado, pois a manivela devia ser rodada com as rotações certas. Estas
não podiam ser muito vagarosas e nem muito velozes, sob pena de apresentar as
cenas em câmara lenta ou extremamente aceleradas, o que tornava o espetáculo
hilariante ou ridículo. Para projetar o filme, o operador devia fazê-lo com a
mão direita, pois a manivela ficava à direita do projetor. Lembra Boscatto que,
Numa
noite de domingo, enquanto rodava o filme – seriado – 'O Furacão', o operador
Mansueto Carpeggiani – muito atento no desenrolar do enredo esqueceu-se de
rodar a manivela do projetor na velocidade necessária. O filme era muito
emocionante e com lances imprevisíveis. Em um deles, o mocinho e a mocinha
estavam amarrados nos trilhos da ferrovia – haviam sido presos pelos bandidos –
enquanto o trem já chegava bem próximo a eles. Durante essa cena, o operador
ficou um tanto chocado com o que poderia acontecer e rodou o filme lentamente –
talvez inconscientemente. Quem sabe quisesse salvar o mocinho e a mocinha, que
iriam ser esmagados pelo comboio ferroviário. De repente, absorto que estava
com o desenrolar dos fatos, parou de rodar a manivela do projetor e a pantalha
do aparelho ficou parada na parte escura. Os espectadores em protesto
sapatearam como forma de reclamação pelo filme ter sido interrompido na melhor
parte. Só então o operador se deu conta do "cochilo" involuntário,
mas a fita já havia queimado, por causa da parada. Ele teve que emendá-la e
depois continuou a rodar o filme. Após o término da sessão, desculpando-se,
disse “Sempre há a primeira vez, mesmo sendo considerado o melhor dos
operadores.·(IDEM).
Boscatto ainda diz que todos os
filmes eram rodados com somente um projetor, por isso sempre havia alguns
minutos de espera a cada rolo que terminava, dando tempo para que o operador o
substituísse por outro. "Na metade do filme acontecia um intervalo de meia
hora para ir até o bar do cinema tomar refrigerantes ou adquirir
caramelos". No início da década de 20, a sala de cinema foi alugada para
Francisco Mascarello, outro entusiasta da arte cinematográfica.
Foi nesse salão que
aconteceu a famosa história do galo, em 1922. Nesse ano houve a apresentação de
um mágico que dizia que cortaria a cabeça de um galo, depois a recolocaria e o
galo voltaria até a cantar como se nada tivesse acontecido. Na ocasião, todos
os ingressos foram vendidos. Começou o espetáculo e, a certa altura, o mágico
solicitou ajuda para o delegado e uma outra pessoa influente na cidade. Alguns
chegam a dizer que era o juiz, mas não há comprovação. O delegado segurou a
cabeça do galo e o outro, o corpo. Nas palavras de Severino Bulla, "aí
cortaram a cabeça do galo, que sujou tudo. O mágico pediu para nos
concentrarmos para voltar a grudar a cabeça do galo. Então ele saiu, pegou o
cavalo e o dinheiro e se mandou, até hoje".
Desta forma, aconteceu no cinema,
palco do episódio, o fato que deu a Flores da Cunha, então chamada de Nova
Trento, o nome de "Terra do Galo".
EM BENTO GONÇALVES
Um dos primeiros cinemas de Bento
Gonçalves é lembrado por Lea Ponticelli Dall Ígnea, nascida em 1916, quando já existia o cinema de sua
família.
Eu me criei
lá dentro do cinema, aí eu cuidava dele desde os seis anos. O cinema era dos
meus pais e antes deles de meus avós paternos". (...) "e eu me criei
lá, isso. Saí com a idade de 17, 16 anos, quando meu pai vendeu o cinema. Nesta
época o cinema era mudo. Noé Ponticelli, meu pai, tinha uma "banda"
que animava as apresentações.
Seu nome era Cine Teatro & Café
Bento Gonçalves e foi inaugurado no dia 13 de agosto de 1911. Na realidade, era
conhecido apenas como Cinema Ponticelli. Fundado por Maria Ponticelli, mãe de
Noé, situava-se em um prédio de alvenaria, na esquina das ruas Saldanha Marinho
com Marechal Deodoro e funcionou até 1934.
O Cine Teatro & Café Bento
Gonçalves tinha cadeiras coloniais com acento de palha, ligadas entre si por
uma ripa pregada atrás delas, para não serem movidas do lugar. Na plateia,
cabiam 500 pessoas. Havia um corredor no meio e mais um de cada lado, para
facilitar a circulação. Havia ainda camarotes, onde cabiam seis pessoas e que
podiam ser alugados por mês. Desta forma, os espectadores que os alugassem
podiam assistir a novos filmes todas as noites, uma vez que a programação
mudava diariamente. Segundo a programação apresentada nos jornais, era composta
de quatro ou cinco pequenas fitas, salvo as grandes produções, cuja
apresentação era única.
A população ficava sabendo do início
da projeção através de uma sirene, que avisava nos dois últimos quartos de
hora. "Antes o início da sessão soava a sirene, marcando a hora do início
do filme. Tocava, então o pessoal já sabia, ia assistir ao filme".
Segundo Dall'ignea, outra forma de
saber se haveria ou não sessão cinematográfica à noite, era através de uma
lâmpada que uma estátua de mulher, colocada na cúpula da parte central do
cinema, segurava na mão esquerda: "quando tinham os filmes eles acendiam
aquela lâmpada, então toda a cidade podia ver que a projeção tinha
iniciado".
Na metade do filme havia um
intervalo de quinze minutos, para que o rolo fosse rebobinado. "no intervalo
em geral os homens saíam tomar cafezinho e comprar balas. Enquanto as mulheres
ficavam dentro do salão, não saíam". Mas havia outros intervalos, quando
arrebentava o filme, "porque era celuloide, aí ele (o projetista) tinha
que parar pra colar e continuar". Outros intervalos ocorriam "depois
de cada fita, cada rolo, era um intervalo de cinco minutos, era para trocar o
filme".
Nesta época só havia este cinema e
só muitos anos depois abriu o cinema Aliança. "em 40 já tinha fechado o
nosso. O pai ficou com o prédio mais um tempinho, depois derrubaram." Mas
o cinema servia para espetáculos teatrais e outras atividades sociais:
"depois da sessão algumas vezes havia reunião dançante".
Lembra Dall'Ignea:
À tarde, por
exemplo, depois do matinês a gente amontoava todas as cadeiras e dançava. E
quando tinha baile era tudo baile de gala, sempre. Então tiravam todas as
poltronas e virava em baile, em clube. Todos os domingos de tarde a gente dançava.
Todos os domingos de tarde, depois da matinês, depois do filme, a gente
amontoava as cadeiras e dançava.
Na frente do cinema ficavam os
cartazes anunciando a programação, que o próprio dono do cinema desenhava e
colocava na porta. Eram feitos de madeira. "As pessoas da cidade, bem
arrumadas, passavam pela frente do cinema para olhar o programa a ser
apresentado, e então entravam". Naquela época "todo mundo ia ao
cinema, não tinha outra... não tinha opções, tinha que ir ao cinema, ninguém
falhava".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As lembranças dos primeiros cinemas
da região são vagas e imprecisas. Os nomes daqueles homens ou de suas pequenas
empresas que literalmente levaram o cinema nos lombos de mulas para regiões
mais distantes foram esquecidos. Nas histórias regionais os cinemas são os
grandes ausentes. A lembrança, tanto dos que assistiram às "fitas",
como daqueles que as passavam, está morta e para sempre perdida.
Apenas os jornais retratam um pouco
sobre os primeiros tempos dos cinemas, pois acompanharam a concorrência entre
os exibidores.
Os primeiros cinemas, como os
primeiros jornais regionais, tiveram curta duração, sinal evidente de sua baixa
rentabilidade. Só o fato de serem pequenas empresas familiares, onde a família
desempenhava várias funções, conseguia mantê-los abertos. Caso típico de
proprietário de cinema é o de Noé Ponticelli, de Bento Gonçalves, que dirigia a
empresa, tocava na orquestra que acompanhava a apresentação dos filmes mudos, e
ainda fazia os cartazes. Ou seja, como outros proprietários dos primeiros
cinemas, desempenhava várias funções. Estava distante o tempo da especialização
e o da profissionalização da diversão cinematográfica.
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dos Interesses Coloniais. 19 de junho de 1903.
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O EVOLUCIONISTA. 7 de
fevereiro de 1916.
O REGIONAL. 28 de maio
de 1927.
ENTREVISTAS REALIZADAS
ENTREVISTADO:
|
DATA:
|
Assunta de Paris
|
15 de julho de 2004
|
Alda Menegotto Cipriani
|
14 de agosto de 2003
|
Áureo Bertelli
|
10 de setembro de 2004
|
Corina Michelon Dotti
|
15 de março de 04
|
David Andreazza
|
18 de março de 2004
|
Hermenegildo Meregall
|
17 de abril de 2003
|
Hilário Sgarioni
|
11 de dezembro de 2003
|
Ibanor
Steffenon
|
31 de maio de 2004
|
João Cláudio Garavaglia
|
13 de julho de 2004
|
Lea Ponticelli
Dal'Ignea
|
18 de abril de 2005
|
Luis Vicentim
|
04 de março de 2003
|
Mário Bocchese
|
15 de março de 2004
|
Severino Bulla
|
28 de outubro de 2003
|
Sylvia Gedoz Ártico
|
16 de agosto de 2003
|
Virgínio José Bortolotto (Nilo)
|
06 de dezembro de 2003
|
Bom dia, Loraine.
ResponderExcluirQuem me falou sobre você foi o Floriano Molon, inclusive me passou um número de telefone que não consigo ligar 54 4323-0753.
Sou Márcia Monteiro...jornalista roteirista e estou fazendo pesquisa pra meu filme documentário O Vinho Brasileiro, Um Legado da Imigração Italiana. Adoraria conversar com você...acha possível?
Meu email é marciatrip4@gmail.com
Bom dia, Loraine.
ResponderExcluirQuem me falou sobre você foi o Floriano Molon, inclusive me passou um número de telefone que não consigo ligar 54 4323-0753.
Sou Márcia Monteiro...jornalista roteirista e estou fazendo pesquisa pra meu filme documentário O Vinho Brasileiro, Um Legado da Imigração Italiana. Adoraria conversar com você...acha possível?
Meu email é marciatrip4@gmail.com